Palimpsesto

44 6 16
                                    

ereuss


E. Reuss

    Revival do conto "Palimpsesto" publicado originalmente na Primeira edição da Mostra Ecos, por E. Reuss   

Otávio abre os olhos. Leva a mão até o rosto, cutuca a face e enfia um dedo no olho. Só então percebe que está sem os óculos escuros. Tateia a grama. Ele está deitado? Num gramado?

Suas costas e o ombro esquerdo doem, então ele permanece por alguns minutos paralisado na horizontal como um corpo que boia.

Luzes se acendem. É como o nascimento do dia, só que muito mais brusco. A iluminação queima sua retina através das pálpebras fechadas. Quando se acostuma, Otávio fica de pé e olha a sua volta.

Nada além de um casarão imponente e fluorescentemente iluminado por estacas luminosas no gramado. Estacionada no caminho asfaltado em frente ao casarão, vê uma vã adaptada para deficientes físicos com elevador hidráulico.

Ouve a voz de sua mãe no fundo de sua consciência, que às vezes surge para ajudá-lo a sair de situações difíceis. Ele enxerga seus olhos inclinados para o lado, uma expressão de reprimenda, e isso é praticamente toda a lembrança que ele tem de sua mãezinha real. Os olhos e a voz rouca. Olha para o céu a procura de uma mulher de quem ele nem lembrava mais o nome.

Qual era o nome de sua mãe mesmo?

Olhando para os céus, enxerga uma série de gárgulas em posições eróticas fixadas na proteção do telhado, todas cobertas por uma camada grossa de cocô de pomba. A bandeira da Suíça balança freneticamente em um suporte.

"Hans", Otávio diz e de repente não está mais perdido. Sobe a escadaria de mármore escorregadia. Pressiona um botão vermelho em um interfone velho e estropeado com uma câmera embutida. O aparelho geme e faz um som de fiação defeituosa.

"Quem é?" Soa uma voz com um sotaque alemão.

"Hans?"

"Não."

"É o-"

"Não."

"Posso falar-"

"Nein."

"Sou amigo de Hans."

"Reduzir inclinação de sua cabeça desde que fique alinhada ao câmera."

"Que?"

"Bitte, senhora..."

"Senhor", Otávio diz, "Não posso inclinar. Dor Lombar. Ombro... despedaçado".

"Desculpas. Die kamera está com defeitos. Transforma voz masculina em voz delicada de senhorita".

"Quero falar com o Hans."

"Und?"

"Aqui é Otávio. Mendes. Drogas."

"Herr Hans está em profundezas de sono."

"As luzes acenderam agora. Eu sei que ele acabou de entrar na cápsula."

Silêncio do outro lado. De repente, gritos enérgicos e ordens em outra língua.

A porta se abre e pela abertura Otávio enxerga o maior alemão que ele já viu na vida.

"Herr Hans autorizou sua entrância", e estende mãos alongadas e pálidas, quase extraterrestres, para os fundos de um corredor coberto por uma camada escura de isolamento acústico. Otávio avança pelo corredor atrás do mordomo alemão.

Ecos RevivalOnde histórias criam vida. Descubra agora