Ficar dois horários em uma sala com o Leo é de mais para a minha cabeça, ainda mais quando esses dois horários são de matemática. Tá bem, eu confesso que não é tão torturante ficar com ele, mas jamais admitiria. Um senhor de meia idade chega na sala se apresentando como Raimundo, ele até que ensina legal, mas isso não vai fazer com que eu passe a gostar de matemática.
-A dona aranha subiu pela parede, veio a chuva forte e a derrubou. - Leo começa a cantarolar atrás de mim.
-Será que nem na aula você cala a boca? - Pergunto.
-Essa música fez parte da minha infância e aposto que da sua também, então, para de ser estraga prazeres. - Ele fala com um tom de ofendido. - E como eu não gosto de matemática esse é um bom modo de passar o tempo.
-Eu também não gosto de matemática, mas nem por isso eu fico estragando as músicas da minha infância.
-Eu não estrago nada, minha voz é maravilhosa.
-Você parece um alce ferido quando canta.
-Ela tem razão, você canta muito mal. - O professor diz e todos caem na risada. - Agora se vocês pudessem, eu gostaria que prestassem a atenção na aula.
- Desculpa, isso não vai se repetir. - Digo, já que o Leo ainda tava surpreso com o fato do professor está prestando atenção no que estavamos falando.
-Então gente, eu gostaria que vocês formassem duplas e respondessem essas questões que eu coloquei no quadro, elas não valem pontos, até pq hoje é o primeiro dia de aula. Eu vou apontar as duplas, já que ninguém se conhece. O alce ferido vai ficar com...
-É bullyng o senhor me chamar de alce ferido, mas eu deixo se eu fizer com ela. - Leo aponta para mim.
-Como quiser. Façam assim turma, escolham a sua dupla. - O professor diz.
-Você deve me amar muito para querer fazer dupla comigo. - Digo quando ele coloca a mesa e a carteira do meu lado.
-Eu sei que você também queria fazer comigo.
-Com toda a certeza, eu já ia me jogar nos pés do professor para ele deixar a gente juntos.
-Viu, eu te fiz um favor.
-Muito obrigada mesmo, tô muito contente.
-De nada, mas agora vamos fazer essas questões. Só vê se para de prestar atenção em mim e foca na atividade.
-Eu vou tentar, mas você é muito irresistível aí fica difícil. - Uso o meu tom mais sarcástico possível.
Para um cara que diz não gostar de matemática, ele sabe bastante. Apesar te todas as provocações que eu e ele fizemos um para o outro desde que nos conhecemos, eu gosto bastante dele, é uma coisa que eu não consigo explicar. O Leo me faz bem, é estranho dizer isso porque eu o conheço a pouco tempo, mas ele fez eu não odiar esse lugar por completo. É claro que a Isa também tem um grande peso nisso tudo, até porque ela me tratou muito bem desde que cheguei e acho que vamos ficar muito amigas.
Eu sei que não fui o poço de gentileza desde que cheguei, mas eu não queria vim para cá, preferia ter continuado na minha antiga escola, com os meus antigos amigos e tudo mais, só que quando o seu padrasto é o diretor de uma das melhores escolas para o ensino médio do país, você meio que é forçada a vim para cá. É isso mesmo que vocês estão pensando, minha mãe é casada com o diretor daqui, eu tinha 5 anos quando meu pai saiu de casa para morar com uma outra mulher, ele teve uma outra filha com essa mulher e quando eu tinha 7 anos minha mãe casou com o João e desde então eu passei a chamar ele de pai, afinal, ele me criou como filha enquanto meu verdadeiro pai só sabia depositar todo mês um cheque na conta da minha mãe. Resumindo tudo, eu tenho direito a uma vaga aqui e é claro que a minha mãe não deixaria eu continuar na outra escola, enquanto aqui eu teria uma ótima formação escolar e sem pagar nada.
-Para um garoto que não gosta de matemática você sabe bastante.
-Eu disse que não gosto, não que não sabia. Quando você tem irmãos tão perfeitos e inteligentes, você tem que saber das coisas, mesmo não gostando.
-Então seus irmãos são tipo os "senhores perfeitos"?
-Praticamente, eles também já estudaram aqui. Cada um conseguiu uma bolsa de 50% para estudar nessa escola. Meus pais não tem uma condição financeira ruim, mas também não são ricos a ponto de bancar eu e meus irmãos nessa escola. Ela muito cara.
-Então como eles conseguiram essa bolsa você também tinha que conseguir?
-Exatamente. E você é bolsista?
-Mais ou menos, o diretor é meu pai, quer dizer, padrasto.
-Ui. - Ele diz surpreso. - Então quer dizer que todo esse momento eu estava falando com a filha do diretor e não sabia?
-Tecnicamente sim. Mas não conta isso para ninguém, não sei como as pessoas vão reagir quando descobrirem.
-Tem medo delas começarem a te tratar diferente?
-Sim.
-Eu prometo que não vou. Só quero que me faça um favor.
-Qual?
-Diga para o diretor mandar aumentar os armários pq eles são muito pequenos.
-Quer mais nada não?
-Acho que é só isso por enquanto. - Ele diz dando aquele sorriso que é de tirar o fôlego.
Ficamos nos encarando e quase nos beijamos, só que o sinal bateu na mesma hora e recuamos. O professor recolheu as atividades e os alunos começaram a sair, indicando que já havia acabado o segundo horário. Nem tinha percebido que já tinha se passado dois horários. Me despendi do Leo toda sem graça pelo que ia acontecer e sai da sala em busca do meu armário para pegar as minhas coisas e ir para a próxima aula.
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Nightingale
AcakO que acontece quando diferentes adolescentes que jamais se viram criam uma amizade? Quando um novo ano começa na ETFN, um grupo de alunos vão ter que aprender a lidar com diferentes problemas e personalidades de cada um. E ainda tentar sobreviver...