Reflexões corriqueiras

54 6 2
                                    

Uma semana depois.

Eu acordei. Definitivamente. Em aspectos antes  adormecidos. 

Meu companheiro de todas as horas, boas e ruins me ajuda a colocar os pensamentos em ordem. Um café forte. Faz uma semana que tive minha noite perfeita, com todas as letras, com meus amigos. Nando foi viajar a trabalho, então não nos vemos há uns quatro dias. Sobre a noite com meus amigos, ele fez escândalo. Gritou. Me proibiu. Me ofendeu. Não consegui terminar com ele. Não me faltou coragem, me faltou palavras, me faltou vontade depois de ouvir tanta coisa. Ele saiu sem me deixar falar. Bateu a porta. Depois mandou mensagem avisando sobre a viagem. Incrível que não sinto sua falta. Estou em paz nesse sentido.

Sobre a noite perfeita com meus amigos. Não me sentia tão bem há um longo tempo. Por isso, me pergunto. Como pude me deixar levar em coisas simples, como por exemplo, uma escolha de roupa, de programação? Meus amigos sempre alertando. E eu negando. Colocando a preocupação deles no fundo da gaveta. Eu fui cedendo, me abstendo, me submetendo às escolhas de outrem, aos desejos, aos planos e sonhos de alguém que via minha felicidade e autonomia como coisas irrelevantes. 

Merda. Merda. Merda. Toda vez que eu cedi a uma imposição estúpida de Nando (não espere coerência de uma imposição), eu inconscientemente consenti com seus preconceitos e com sua norma de como mulheres devem se comportar na sociedade e de como devemos nos vestir.  E eu não queria aquilo. No fundo, eu não achava legal que as mulheres não pudessem serem donas de seus próprios narizes.  Infelizmente, fui moldada pra que fosse uma "boa" garota (leia-se boa garota na sociedade, uma garota que não questiona regras impostas, não questiona padrões de beleza, mas tenta incansavelmente alcançá-los, não questiona má conduta e mau caráter de homens, etc ). A TV, as revistas, as propagandas sempre nos dizendo, faça isso, não aquilo. Conquiste um homem assim, não assim. Não seja ousada, seja delicada. Não coma isso, engorda. Fique gostosa, mas não vulgar. Parece-me que a sociedade sempre esteve contra nós. Nunca somos boas o suficiente, precisamos nos encaixar num padrão que não existe! Eu cansei! Não aguento mais isso. 

Eu sei que consenti com sua definição de boa namorada, boa mulher. Mas agora não mais. Isso porque na lógica estúpida dele, determinada roupa que visto serve de convite para que caras mais estúpidos ainda achem que estou dando mole ou consentindo qualquer ato invasivo e desrespeitoso. Ou ainda, que preciso me vestir de forma não vulgar. Mas afinal, o que é ser vulgar? Se vestir de forma livre? Sexy? Ou só é vulgar a roupa da garota que ele tem como namorada? As demais podem se vestir como queiram e de forma que ele possa cobiçar? Ou seja, o problema não está nas mulheres afinal. E sim na postura dos caras. 

Engraçado, que quando eu passava mais tempo com meus amigos, falávamos sobre uma diversidade infinita de assuntos. Aprendia a cada vez que debatíamos sobre qualquer coisa. Sobre a violência cotidiana, a violência que as mulheres sofrem, os preconceitos que a sociedade reproduz. A partir do momento que me afastei deles, que passei a frequentar determinados espaços em que havia um festival de comentários agressivos contra mulheres, negros e homossexuais, eu me anulei. Porque seria eu contra todos. Então, preferia não debater com Nando sobre essas coisas, a fim de evitar maiores discussões. Eram seus amigos e eu não queria causar intriga. Eu me anulei absolutamente em prol de uma relação que me sufocava. Vejam bem, todas as vezes que me abstive de discutir com ele [sobre situações profundas, como o problema do assédio que as mulheres sofrem, que eu sofri, apontando que o problema do assédio independe do lugar, do horário, da roupa e da idade, porque está associado com a conduta e o caráter dos homens, e não tem absolutamente nada a ver com qualquer elemento ou característica das mulheres], eu matei um pouquinho de mim, e não só de mim. Eu me omiti frente a uma realidade tão dura para as mulheres e isso me entristece demais. Eu não sou assim, eu não quero que mulheres sejam responsabilizadas por sofrer violência, nem que homossexuais sejam acusados de exagerar e merecerem apanhar. Nem de que exista racismo reverso, toda vez que negros denunciarem e apontarem o racismo que sofrem.

Todos esses pensamentos me levam a um lugar só! Que diabos estou fazendo da minha vida presa a essa relação miserável, que me sufoca, me aprisiona e me deixa infeliz? Presa a alguém que acha que vive no século XIX e que me quer abaixo de sua benção. Não é isso que quero para minha vida, muito pelo contrário, quero poder partilhar meus momentos com alguém que acima de tudo respeite a mim, e as outras pessoas. Alguém que não justifique violências. Alguém que esteja disposto a crescer, a mudar pontos de vista e que me trate como parceira e não como bibelô. Preciso me libertar disso. É com esse pensamento  mando uma mensagem para o Nando. 

***

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.

***

Você leu todos os capítulos publicados.

⏰ Última atualização: Apr 02, 2017 ⏰

Adicione esta história à sua Biblioteca e seja notificado quando novos capítulos chegarem!

Lençol, café e travesseiro: sobre dores e amores verdadeirosOnde histórias criam vida. Descubra agora