Capítulo 2

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Dave

A garçonete veio anotar os nossos pedidos e Mia quis carne grelhada com legumes. Pedi a mesma coisa, com um adicional de carboidratos. Não, não concordamos em algo pela primeira vez. Apenas trabalhamos em um ramo em que nosso corpo é nosso instrumento de trabalho. Estávamos em um restaurante pequeno e somente outras duas mesas estavam ocupadas além da nossa. Uma com um casal de idosos, outra com uma mulher bonita, lendo um livro, que levantou os olhos para mim por bastante tempo mesmo que eu estivesse passando a impressão que estava acompanhado da catástrofe loura sentada em frente a mim. A mulher devia ter uns trinta e cinco anos. Gostava de mulheres mais velhas. Eram objetivas e me poupavam do tipo de frescuras que pessoas como a Mia me obrigavam a aturar, como ter de me desviar da estrada. Olhei o relógio, impaciente.

-Pressa? – Mia perguntou, sem levantar os olhos do celular, no qual digitava desde que havíamos nos sentado.

-Chegaremos tarde demais a Inverness.

-Temos dois dias para chegarmos lá – ela retrucou, sem erguer a cabeça.

Não respondi. Não passaria dois dias sendo babá de uma menina mimada envolvida em um relacionamento exclusivo com seu smartphone.

Ainda assim, estava ficando irritado.

-É falta de educação ficar pendurada no celular quando se está com outras pessoas.

-Você vai conversar comigo?

-Não.

-Então pronto.

Muito bem, fique com seu celular. Pelo menos ela parecia ter entendido que tudo que conseguiria daquela viagem era um assento no meu carro.

Parecia.

Nossos pratos chegaram e Mia finalmente colocou o celular de lado. Mas ela era incapaz de substituir a conversa pelo silêncio e logo ficou inquieta. Como eu estivesse sentado do outro lado da mesa, se sentiu na obrigação de puxar assunto.

Não me importava de conversar com os meus amigos, da mesma forma que não entendia a necessidade constante das pessoas por interação social.

-Então você não gosta de música – Ela falou, de repente.

-Não disse isso.

-Você não queria vir a Liverpool e não queria ligar o rádio.

-Liverpool é apenas uma cidade – respondi automaticamente, e então percebi que estava me justificando. Por que diabos estava fazendo algo assim?

-É a cidade dos Beatles! – Ela exclamou, exaltada.

-Você é fã dos Beatles? – Ergui uma sobrancelha. Não estava conversando, mas admito que fiquei medianamente curioso com a insistência. Mia deu de ombros e respondeu, enquanto revirava a salada com o garfo:

-Ah, não em particular. Gosto, como todo mundo gosta. Sei que foram importantes pra caramba e que aquela mulher super feia acabou com a banda. Nossa, ela, sim, deve ter conteúdo. Você deixaria?

-Ter conteúdo? – Perguntei, ainda intrigado com a falta de sentido da conversa.

-Não, uma mulher se meter entre você e seus amigos daquela forma.

Soltei o ar, irritado, e peguei meu próprio celular enquanto falava:

-Você não consegue ir além dos fatos de tabloide?

-Hã? – Ela perguntou, confusa.

-Esquece.

Terminamos o almoço e, em lugar de pegar imediatamente a estrada, usei o GPS do carro para achar o endereço que eu havia pesquisado pelo celular no restaurante: Menlove Avenue. Não o fiz por Mia, mas por mim. John Lennon cantava sobre sonhos e imaginava um mundo ideal sem violência. Tudo isso culminou em cinco tiros disparados por outro louco idealista, o símbolo perfeito de como os sonhos terminam. A vida é muito mais irônica que uma "mulher super feia" acabando com a banda mais importante e influente da história do rock.

Antes e Depois de Você  [AMOSTRA]Onde histórias criam vida. Descubra agora