Nadei até a superfície e vi a casa. Era de taipa e caindo aos pedaços. Lá encontrei o fantasma da mulher. Ela tinha um osso enfiado na lateral do pescoço, o motivo de sua morte.
– Eu acabei de falar com seu filho – falei.
– Aquilo não é meu filho – corrigiu a velha incorpórea apalpando de leve o ferimento no pescoço. – O que você veio fazer aqui?
– Vim saber como é uma mãe.
– Não conheceu a sua?
– Não
– E seu pai?
– Não.
– É, geralmente as pessoas tem mãe, mas não tem pai, e quando não tem mãe dificilmente tem pai.
– Eu devo ter alguns, mas para buscá-los, preciso saber como são.
– Não sei quem é sua mãe. Mas sei quem é seu pai.
– Quem?
– É Uauiará, claro.
– Ahh – me alegrei. – Como sabe?
– Ele também é o pai de Crispim. E vive nos rios.
– Mas Crispim me disse que não tinha pai – estranhei.
– Por isso mesmo que ele é o pai dele e o seu também.
– Então devo procurá-lo para saber como é um pai. Pode me fazer mais um favor?
– O que mais quer?
– Seu filho tem dois nomes, mas eu não tenho nenhum. Se entendi direito, foi você que deu o primeiro nome pra ele.
– Sim, fui. Você se chamará Mameluco.
– Gostei, o que significa?
– Vem de Maloca eu acho, a casa dos índios também chamada de oca. Meu povo era índio antes de deixar de ser pagão. Agora, os mamelucos são os filhos de índios com os brancos.
– Gostei. Agora sei qual palavra define tudo que sou, Mamelu... – fui interrompido pelo barulho de meu interior e senti como se algo me corroesse por dentro. – O que é isso?
– Foi por ter fome que meu filho me matou, ele não queria comer sopa de ossos. Agora ele é obrigado a comer sem ter fome até os ossos.
– Onde posso comer?
– Vá na floresta. Nós alimentamos a natureza quando mortos e ela nos alimenta quando vivos.
– Adeus mãe do Crispim. Obrigado pelo nome.
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MAMELUCO, Existência afogada.
Short StoryA história gira em torno de um homem que desperta já adulto, na escuridão de uma lagoa. Sem memorias e incompreendendo a própria situação, ele se sente vazio, oco e insosso, sua busca se justificando na conquista do próprio sabor. "Primeiro...