Capítulo 4 - A Mãe de Crispim

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Nadei até a superfície e vi a casa. Era de taipa e caindo aos pedaços. Lá encontrei o fantasma da mulher. Ela tinha um osso enfiado na lateral do pescoço, o motivo de sua morte.

– Eu acabei de falar com seu filho – falei.

– Aquilo não é meu filho – corrigiu a velha incorpórea apalpando de leve o ferimento no pescoço. – O que você veio fazer aqui?

– Vim saber como é uma mãe.

– Não conheceu a sua?

– Não

– E seu pai?

– Não.

– É, geralmente as pessoas tem mãe, mas não tem pai, e quando não tem mãe dificilmente tem pai.

– Eu devo ter alguns, mas para buscá-los, preciso saber como são.

– Não sei quem é sua mãe. Mas sei quem é seu pai.

– Quem?

– É Uauiará, claro.

– Ahh – me alegrei. – Como sabe?

– Ele também é o pai de Crispim. E vive nos rios.

– Mas Crispim me disse que não tinha pai – estranhei.

– Por isso mesmo que ele é o pai dele e o seu também.

Então devo procurá-lo para saber como é um pai. Pode me fazer mais um favor?

– O que mais quer?

– Seu filho tem dois nomes, mas eu não tenho nenhum. Se entendi direito, foi você que deu o primeiro nome pra ele.

– Sim, fui. Você se chamará Mameluco.

– Gostei, o que significa?

– Vem de Maloca eu acho, a casa dos índios também chamada de oca. Meu povo era índio antes de deixar de ser pagão. Agora, os mamelucos são os filhos de índios com os brancos.

– Gostei. Agora sei qual palavra define tudo que sou, Mamelu... – fui interrompido pelo barulho de meu interior e senti como se algo me corroesse por dentro. – O que é isso?

– Foi por ter fome que meu filho me matou, ele não queria comer sopa de ossos. Agora ele é obrigado a comer sem ter fome até os ossos.

– Onde posso comer?

– Vá na floresta. Nós alimentamos a natureza quando mortos e ela nos alimenta quando vivos.

– Adeus mãe do Crispim. Obrigado pelo nome.

MAMELUCO, Existência afogada.Onde histórias criam vida. Descubra agora