CAPITULO XVIII

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O leitor provavelmente não terá ficado menos atônito do que ficou Álvaro, com o imprevisto aparecimento de Leôncio no Recife, e indo bater certo na casa em que se achava refugiada a sua escrava.

É preciso, portanto, explicar-lhe como isso aconteceu, para que não pense que foi por algum milagre.

Leôncio, depois de ter escrito e entregado no correio as duas cartas que conhecemos, uma dirigida a Álvaro, outra a Martinho, nem por isso ficou mais tranqüilo. Devorava-lhe a alma uma inquietação mortal, um ciúme desesperador. A notícia de que Isaura se achava em poder de um belo e rico mancebo, que a amava loucamente, era para ele um suplício insuportável, um cancro, que lhe corroía as entranhas, e o fazia estrebuchar em ânsias de desespero, avivando-lhe cada vez mais a paixão furiosa que concebera por sua escrava. Achava-se ele na corte, para onde, logo que teve notícias de Isaura, se dirigia imediatamente, a fim de se achar em um centro, de onde pudesse tomar medidas prontas e enérgicas para a captura da mesma. Tendo escrito e entregue as cartas na véspera da partida do vapor pela manhã, levou o resto do dia a cismar. A terrível ansiedade em que se achava não lhe permitia esperar a resposta e o resultado daquelas cartas, sendo muito mais morosas e espaçadas do que hoje as viagens dos paquetes naquela época, em que apenas se havia inaugurado a navegação a vapor pelas costas do Brasil. Demais, ocorria-lhe freqüentemente ao espírito o anexim popular - quem quer vai, quem não quer manda. - Não podia fiar-se na diligência e boa vontade de pessoas desconhecidas, que talvez não pudessem lutar vantajosamente contra a influência de Alvaro, o qual, segundo lho pintavam, era um potentado em sua terra. O ciúme e a vingança não gostam de confiar a olhos e mãos alheias a execução de seus desígnios.

- É indispensável que eu mesmo vá, - pensou Leôncio, e firme nesta resolução foi ter com o ministro da justiça, com quem cultivava relações de amizade, e pediu-lhe uma carta de recomendação, - o que equivale a uma ordem, - ao chefe de polícia de Pernambuco, para que o auxiliasse eficazmente para o descobrimento e captura de uma escrava. Já de antemão Leôncio também se havia munido de uma precatória e mandado de prisão contra Miguel, a quem havia feito processar e pronunciar como ladrão e acoutador de sua escrava. O sanhudo paxá de nada se esquecia para tornar completa a sua vingança.

No outro dia Leôncio seguia para o Norte no mesmo vapor que conduzia suas cartas.

Estas, porém, chegaram ao seu destino algumas horas antes que o seu autor desembarcasse no Recife.

Leôncio, apenas pôs pé em terra, dirigiu-se ao chefe de policia, e entregando-lhe a carta do ministro inteirou-o de sua pretensão.

Tenho a informar-lhe, senhor Leôncio, - respondeu-lhe o chefe - que haverá talvez pouco mais de duas horas que daqui saiu uma pessoa autorizada por V. S.a para o mesmo fim de apreender essa escrava, e ainda há pouco aqui chegou de volta declarando que tinha-se enganado, e que acabava de reconhecer que a pessoa, de quem desconfiava, não é e nem pode ser a escrava que fugiu a V. S.a.

- Um certo Martinho, não, senhor doutor?...

- Justamente.

- Deveras!... que me diz, senhor doutor?

- A verdade; ainda aí estão à porta o oficial de justiça e os guardas, que o acompanharam.

- De maneira que terei perdido o meu tempo e a minha viagem!... oh! não, não; isto não é possível. Creia-me, senhor doutor, aqui há patranha... o tal senhor Álvaro dizem que é muito rico...

- E o tal Martinho um valdevinos capaz de todas as infâmias. Tudo pode ser; mas a V. S.ª como interessado, compete averiguar essas coisas.

- E é o que venho disposto a fazer. Irei lá eu mesmo verificar o negócio por meus próprios olhos, e já, se for possível.

A Escrava Isaura (1875)Onde histórias criam vida. Descubra agora