10 - O Som do Silêncio

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''Foram apenas 15 minutos depois de 2 meses sem te ver e eu me senti exatamente igual as outras vezes que passamos juntos, volto pra casa imaginando uma vida ao seu lado e me perguntando porque eu sinto isso porque desse sentimento e penso, será que é só eu que lembro? É só eu que sinto falta?''

Para alguém que talvez nunca irá ler

Nos meses seguintes as perguntas por Rodrigo tornaram-se cada vez menos frequentes, à medida que Lucas, o novo queridinho do colégio, ganhava espaço nos corações do corpo discente e caía nas graças dos integrantes da docência.

No entanto, eu tinha razões para acreditar que o verdadeiro motivo para as perguntas terem sumido foram as ameaças feitas por Bia e Diego. Os dois nunca me contaram como conseguiram se livrar do assunto e eu nunca perguntei. Estava, apenas, agradecida pelos resultados incrivelmente satisfatórios. 

Com Bia estudando em uma sala diferente da minha, eu e Diego ficamos cada vez mais próximos. Corriam boatos na escola de que nós estávamos namorando, não era verdade, mas nenhum dos dois se dava ao trabalho de desmentir a história.  Era uma relação onde as duas partes saíam ganhando: eu me livrava das cantadas baratas dos caras do time de futebol e ele se via livre da história maldosa que haviam inventado a respeito de sua sexualidade no ano anterior. Somente quando já estávamos na faculdade e depois de passar por várias sessões de terapia, Diego descobriu que era assexuado, o caminho para chegar a esse diagnóstico foi dolorido demais e não cabe a mim expor.

Mas como eu disse, as perguntas cessaram, as fofocas diminuíram e em poucas semanas ninguém do colégio parecia lembrar que um dia Rodrigo havia estado entre eles. Sem o assunto 'Rodrigo' em foco eu pude me concentrar nos meus estudos. Além de ter aulas extras de língua portuguesa duas vezes por semana, com uma professora particular que tia Tânia insistiu em contratar.

Ao final do primeiro semestre eu parecia ainda mais cansada que meus colegas, que também prestariam vestibular em alguns meses, graças a todas as aulas extras e as horas sem dormir devorando livros da literatura nacional. Nessa época eu estava um tanto obcecada por Machado de Assis e sua musa com olhar de cigana oblíqua e dissimulada.

- Eu juro, por tudo que há de mais sagrado nessa droga de vida, se você me disser que virou a noite lendo Dom Casmurro pela milionésima vez eu vou socar sua cara - Bia sentou-se ao meu lado no refeitório durante o intervalo - Com tanta olheira, ninguém vai perceber o hematoma.

- Então eu não digo! - Respondi em meio a um bocejo. - Então, quais os planos de vocês para as férias?

- Viajar para a casa dos meus padrinhos no pantanal, fico todo empolado só de pensar no monte de mosquitos. - Disse Diego ao tanger uma nuvem de mosquitos imaginária para longe dele.

- Bem... o plano mesmo era ser abduzida para um planeta onde não haja mais nenhum ser humano além de mim, mas, na falta do cumprimento dele, vou ser arrastada para uma viagem de família feliz com meu pai e minha madrasta. - Bufou Beatriz.

- E você? O que vai fazer nas férias, senhorita Capitolina? - Diego estava esparramado em cima da mesa do refeitório olhando de lado pra mim enquanto falava. - Eu sugiro hibernação. Você está um trapo.

- Dormir é superestimado! - Rebati fazendo careta para ele.

Depois de descobrir que eu estaria oficialmente sem amigos durante as férias, tive de admitir que não dava mais para continuar lendo Dom Casmurro de novo e de novo pelas próximas quatro semanas. Decidi que precisava de livros novos, ou livros que ainda não havia lido, resolvi que atacaria a biblioteca de tia Tânia antes que ela voltasse do trabalho. Eu estava doida para ler Os Miseráveis, mas ela morria de ciúmes do seu exemplar e se negava veementemente a me deixar pegá-lo emprestado.

- Tânia? Jorge? Cheguei! Alguém em casa? - Como eu esperava, ninguém respondeu.

Larguei minha mochila num canto perto do sofá da sala e fui até a biblioteca que tia Tânia deixava, gentilmente, que Jorge usasse como escritório. Fui até a estante e busquei pelo título do livro: Aqui está você, meu novo melhor amigo! 

- Você assustou tanto as pessoas que está precisando recorrer a amigos feitos de papel encadernado?

Por um instante achei que tinha imaginado aquilo, afinal, eu estava sozinha e não tinha como eu ter ouvido nada, principalmente aquela voz. Mas então me virei e senti seus braços me rodearem e me levarem de encontro a seu peito, senti sua respiração e o cheiro doce de seu hálito quando sua voz disse que tinha sentido minha falta.

Trinta segundos. Talvez menos. Esse foi o tempo que meu coração levou para acordar, depois de quatro meses hibernando, e começar a bater de novo, como se nunca tivesse parado, como se nunca tivesse se despedido de Rodrigo naquele aeroporto.  Ele parecia querer fundir nossos corpos dentro daquele abraço, cada vez mais apertado.

- O que... como... quando? O que está fazendo aqui? - Consegui proferir, por fim.

- Isso realmente importa?

Então, Rodrigo me beijou. Aquele beijo era a única resposta que eu queria, que era necessária e que importava. Meu corpo parecia só naquele momento perceber a saudade acumulada durante todas aquelas semanas de silêncio, estava totalmente enebriado pela presença de Rodrigo e, ao mesmo tempo, nunca esteve tão alerta.

Cada beijo, cada toque, cada roçar de pele ganhava proporções extraordinárias. Os Miseráveis jazia a nossos pés, devo tê-lo soltado em algum momento entre a surpresa de ver Rodrigo e a necessidade de estar em seus braços de novo. As terminações nervosas do meu corpo imploravam cada vez mais pelo toque de seus lábios e ele não se opunha em saciá-las, assim como eu não me recusava a saciar as suas. Porque naquele momento, mais do que em qualquer outro, eu tinha absoluta certeza de que ele sentia tanto minha falta quanto eu a dele.

Não sei por quanto tempo ficamos naquele estado hipnótico. Cinco minutos? Vinte? Uma hora? Talvez mais, talvez menos. O fato é que, em algum momento daquela tarde, fomos tirados de nosso transe ao ouvir a porta da frente bater, revelando a chegada de alguém. A voz animada de Adriel chamando pelo irmão chegou até nós.

Sem dizer uma única palavra, Rodrigo desfez o abraço, me deu um beijo rápido e foi em direção a porta, enquanto eu continuei parada no mesmo lugar, meu cérebro tentando processar os últimos acontecimentos.

- Estou aqui, amigão! - Ouvi Rodrigo gritar do corredor em resposta ao irmão, logo depois reaparecendo na porta da biblioteca. - Você não vem?

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⏰ Última atualização: May 07, 2017 ⏰

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