3 - Boa noite, Lisa!

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"Eu estou aqui sozinho, não queria partir. Meu coração não se move, está incompleto."

No Air (Jordin Sparks, participação de Chris Brown)

Eu estava no Brasil há pouco mais de uma semana e sentia tanta falta de Jesse que parecia que ele estava morto como meus pais e meu irmão. Apesar de morar com minha tia e a família dela eu ainda me sentia sozinha. Era como se meu corpo estivesse no Brasil e minha alma estivesse presa em Wilmington.

Tia Tania obrigou seu enteado, Rodrigo, de dezesseis anos, a me ajudar a arrumar meu novo quarto, o que ele fez com relutância. Eu não o culpava por estar emburrado, minha chegada repentina tinha o obrigado a dividir o quarto com seu irmão mais novo, Adriel, de quatro anos. Mas não custava nada ele ser educado e ao menos perguntar se eu estava bem.

Alguém pode estar se perguntando: não era ela que estava ignorando as perguntas e palavras solidárias? As pessoas que falam essas coisas, na maioria das vezes não se importam de verdade com o que você vai responder, elas só perguntam por educação e para se sentir melhores consigo mesmas, para poderem encostar a cabeça no travesseiro a noite e dormir com o sentimento de dever cumprido. Por que eu não as respondia? Porque elas não se importavam e, se elas não se importavam, elas não precisavam saber a minha resposta. Isso não quer dizer que Rodrigo não poderia ter sido um pouco mais solidário com a minha nova realidade.

Bom, meu quase-primo, Rodrigo, conseguiu passar cinco horas carregando coisas da sala para meu novo quarto sem me direcionar uma palavra que não fosse relacionada ao local onde eu queria que ele deixasse a caixa que ele estivesse carregando. Ao contrário dele, meu priminho, Adriel, me bombardeava com perguntas bobas que todas as crianças de quatro anos fazem e fazia de tudo para chamar minha atenção. Ele até fez um desenho, que ele me explicou que éramos nós dois brincando e o irmão dele ao fundo com os fones no ouvido.

A cidade que minha tia morava se chama Aracaju, é a capital do menor estado Brasileiro. Não era uma cidade muito grande, mas era agradável e aconchegante, apesar do calor intenso que fazia naquela região, ao qual eu não estava nem um pouco habituada. Ao menos nós estávamos localizados no litoral do país, o que me permitia ir à praia sempre que queria fugir de tudo e ficar sozinha, o que significa que eu gastei muito protetor solar.

Nos primeiros meses ali, minha tia me obrigava a passar protetor solar toda vez que eu sonhava em por o pé fora de casa. Isso me irritava bastante, mas eu o fazia mesmo assim, para evitar discussões e porque eu sabia que alguém que era quase transparente de tão branca e que a única parte do corpo que não parecia leite eram os olhos e cabelos negros, que herdei de meu pai, não sobreviveria nem dez minutos sem proteção contra o sol daquele lugar.

Esses momentos eram um dos poucos em que eu via Rodrigo demonstrar algum tipo de emoção, que nesse caso, era zombar da minha cara coberta de protetor solar. A convivência com ele foi melhorando com o tempo, nós ainda não éramos amigos, mas ao menos ele se dispunha a me cumprimentar com um "Bom dia!" pela manhã e a acenar com a cabeça e sorrir de lado quando passava por mim nos corredores do colégio.

Embora eu desconfie que ele só fazia isso pra se divertir com a cara que eu fazia quando as meninas da minha turma corriam em minha direção eufóricas para saber como eu conhecia o garoto mais cobiçado do terceiro ano. Como meu português não era dos melhores, eu havia aprendido o idioma desde criança, por causa de minha mãe, mas nunca havia precisado usá-lo com tanta frequência, até esse ponto, eu acabava xingando elas em inglês e saía emburrada na direção contrária a que ele tinha tomado. As garotas, em sua maioria, me chamavam de mal-educada, elas entendiam o que eu falava graças a ótima estrutura curricular do colégio no qual minha tia insistiu em me matricular.

Anjo Da MorteOnde histórias criam vida. Descubra agora