Dona Adelaide, a irmã de Quaresma, tinha uns quatro anos mais que ele. Era uma bela velha, com um corpo médio, uma tez que começava a adquirir aquela pátina da grande velhice, uma espessa cabeleira já inteiramente amarelada e um olhar tranqüilo, calmo e doce. Fria, sem imaginação, de inteligência lúcida e positiva, em tudo formava um grande contraste com o irmão; contudo, nunca houve entre eles uma separação profunda nem tampouco uma penetração perfeita. Ela não entendia nem procurava entender a substância do irmão, e sobre ele em nada reagia aquele ser metódico, ordenado e organizado, de idéias simples, médias e claras.
Ela já atingira aos cinqüenta e ele para lá marchava; mas ambos tinham ar saudável, poucos achaques, e prometiam ainda muita vida. A existência calma, doce e regrada que tinham levado até ali, concorrera muito para a boa saúde de ambos. Quaresma incubou as suas manias até depois dos quarenta e ela nunca tivera qualquer.
Para Dona Adelaide, a vida era coisa simples, era viver, isto é, ter uma casa, jantar e almoço, vestuário, tudo modesto, médio. Não tinha ambições, paixões, desejos. Moça, não sonhara príncipes, belezas, triunfos, nem mesmo um marido. Se não casou foi porque não sentiu necessidade disso; o sexo não lhe pesava e de alma e corpo ela sempre se sentiu completa.
O seu aspecto tranqüilo e o sossego dos seus olhos verdes, de um brilho lunar de esmeralda, emolduravam e realçavam naquele interior familiar a agitação e a inquietude, o alanceado do irmão.
Não se vá supor que Quaresma andasse transtornado como um doido. Felizmente não. Na aparência até poder-se-ia imaginar que nada conturbava sua alma; porém, se mais vagarosamente se examinassem os seus hábitos, gestos e atitudes, logo se havia de ver que o sossego e a placidez não moravam no seu pensamento.
Ocasiões havia em que ficava a olhar, durante minutos seguidos, ao longe o horizonte, perdido em cisma; outras, isso quando no trabalho da roça, em que suspendia todos os movimentos, fincava o olhar rio chão, demorava-se assim um instante, coçando uma mão com a outra, dava depois um muxoxo, continuava o trabalho; e mesmo momentos surgiam em que não reprimia uma exclamação ou uma frase.
Anastácio em tais instantes, olhava por baixo dos olhos o patrão. O antigo escravo não os sabia mais fixar, e nada dizia; Felizardo continuava a contar a fuga da filha do Custódio com o Manduca da venda; e o trabalho marchava.
Inútil dizer que a irmã não fazia reparo nisso, mesmo porque, a não ser no jantar e nas primeiras horas do dia, eles viviam separados. Quaresma na roça, nas plantações, e ela superintendendo o serviço doméstico.
As outras pessoas de suas relações não podiam também notar as preocupações absorventes do major, pelo simples motivo de que estavam longe.
Ricardo havia seis meses que não lhe visitava e da afilhada e do compadre as últimas cartas que recebera datavam de uma semana, não vendo aquela há tanto tempo, quanto ao trovador, e aquele desde quase um ano, isto é, o tempo em que estava no "Sossego".
Durante esse tempo, Quaresma não cessou de se interessar pelo aproveitamento de suas terras. Os seus hábitos não foram mudados e a sua atividade continuava sempre a mesma. É verdade que deixara de parte os instrumentos de meteorologia.
O higrômetro, o barômetro e os outros companheiros não eram mais consultados e as observações registradas num caderno. Dera-se mal com eles. Fosse inexperiência e ignorância das bases teóricas deles, fosse porque fosse, o certo é que toda a previsão que Quaresma fazia baseado em combinações dos seus dados, saíam erradas. Se esperava tempo seguro, lá vinha chuva; se esperava chuva, lá vinha seca.
Assim perdeu muita semente e Felizardo mesmo sorria dos seus aparelhos, com aquele grosso e cavernoso sorriso de troglodita:
— "Quá" patrão! Isso de chuva vem quando Deus "qué".