Madness

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Even permanecia sentado no recuo da janela do quarto pequeno, pertencente à Isak. A criança dormia sobre os lençóis num sono perturbado, sobre o qual o anjo não poderia fazer nada.

Nem sempre ficava visível aos olhos do mais novo, zelando-o sem ser notado, já que possuía plena consciência sobre estar passando dos limites com a relação que montava junto ao pequeno.

No entanto, o pensamento de largá-lo a própria sorte paralisava o anjo de traços europeus. Não podia fazer isso. Isak era uma ameaça não apenas a si mesmo, mas a qualquer um que esbarrasse em seu caminho quando o jovem estivesse propenso a causar a destruição que prometia.

O ser celestial estava relativamente tranquilo sabendo que o pai de seu protegido havia saído para alguma bebedeira com alguns colegas de trabalho, o que significava que a criança poderia descansar sem ser acordada no meio da noite por mãos sujas que iriam abusá-lo novamente.

Even quase perdeu-se em pensamentos que iam longe demais quando, num lapso, levantou-se de onde estava, abrindo suas enormes asas em frente a cama ocupada pelo híbrido, como um muro intransponível.

Sua ação levou menos do que um milésimo de segundo para ser concluída, entretanto gastou bem mais tempo do que isso para perceber que quem havia invadido o quarto não era um inimigo.

"Boa noite, Raphael." A figura imponente do outro anjo alojou-se no quarto. Even sentiu um arrepio correr sua coluna. Quando um de seus irmãos descia para conversar consigo, era porque algo ia muito mal.

Raphael era o nome verdadeiro de Even. E até poderia tê-lo mantido quando veio atrás do pequeno impuro que dormia atrás de si, no entanto quis manter-se o mais próximo que conseguia do mesmo, refazendo sua aparência – que não possuía olhos castanhos originalmente, nem cabelos louros – e inventando para si uma nomenclatura norueguesa. Ele queria soar como lar para aquele rapaz. 

Queria ser palpável para sua criança de todas as maneiras possíveis.

Em nome, em corpo, em aparência, em espírito.

Queria ser um conforto no meio do caos.

"Boa noite, Gabriel... O que faz aqui?" Indagou, vendo o anjo guardião da água, que se aproximou dele, tocando-lhe o rosto com certa delicadeza.

"Adotou para si a aparência de um auropeu? Tudo isso pelo menino impuro?" Gabriel indagou, fechando as asas com uma coloração levemente azulada, representando seu elemento.

Even tentou falar algo, mas afirmação de seu irmão de patente era real. Iria mesmo tentar mentir? Deixou que o silêncio respondesse por ele.

Afinal, sendo um dos quatro anjos elementares e convivendo com os outros três irmãos por mais tempo do que a Terra existia, sabia ser inútil inventar qualquer balela.

Gabriel soltou o rosto do anjo menor, deixando os próprios dedos livres para passearem pelas asas de Even, que sentiu uma aflição enorme lhe atingir. Ter outra pessoa tocando suas asas era uma das piores sensações pelas quais um anjo poderia passar. Era quase tão abusivo quanto ser tocado por um estranho em sua intimidade. 

"Notou que enegreceram? O que anda fazendo para que isso aconteça, Raphael?" Even afastou-se com a declaração, trazendo as penas que costumavam ser quase translúcidas, de tão brancas para perto dos olhos, vendo pequenas manchas acinzentadas apoderarem-se delas.

A mente do menino etnicamente norueguês começou a viajar rápido, tentando descobrir como aquilo poderia ter acontecido, permanecendo em silêncio perante o irmão que apenas o encarava.

"Sangue... Eu curei Isak alguns dias atrás... Vomitei o que recolhi, mas pelo jeito não rápido o suficiente para evitar que algo fosse absorvido." Qualquer ato pecaminoso poderia enegrecer as asas de um anjo como uma marca gritante, dizendo que aquele soldado do Senhor deveria ser punido.

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