Almost

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Isak simplesmente não entendia como certas coisas aconteciam ao seu redor.

Num momento estava desesperado com a idéia de ser acusado pela morte de cinco pessoas e nunca ter a chance de ser uma pessoa minimamente feliz, e no outro... Estava entrando na própria sala e vendo todo o ambiente impecavelmente limpo, como se nenhuma morte jamais houvesse ocorrido.

Como um passe de mágica.

Não havia nem sinal dos corpos, ou do sangue... Ou mesmo da sujeira e do cheiro de álcool que sempre impregnava a casa do pequeno Valtersen. Tudo estava arrumado. O chão lustro e os móveis brilhantes como se tivessem sido comprados recentemente.

E se tudo isso não fosse o suficiente para impressionar a criança – que ainda sentia dores pelo corpo devido aos abusos constantes – um cheiro maravilhoso de comida vinha da cozinha pequena de sua casa modesta.

Isso nunca tinha acontecido, em seus quase quinze anos de vida.

Isak sempre fora uma criança muito independente – devido às circunstâncias – e cozinhava, limpava e passava desde muito pequeno. Toda e qualquer organização ou alimentação decente que existiam naquela casa provinham dele e de mais ninguém. Chegar da escola e ver esse tipo de cena parecia um sonho. Um sonho bom, pra variar.

Jogou a mochila pesada e puída, que carregava nas costas, em cima da poltrona que costumava pertencer ao pai e correu até a porta que ligava a sala à cozinha.

Lá dentro, com o cheiro delicioso intensificado, um conjunto de panelas que Isak nunca havia visto na vida, estavam dispostos em cima da pia, organizadamente, com nuvens delicadas de vapor rodopiando acima das tampas de vidro.

Na mesinha discreta, os talheres estavam postos, quase elegantemente, esperando apenas por um convidado, por mais que Even estivesse sentado displicentemente no chão, apoiado na parede que integrava a cozinha com a pequena lavanderia.

Um sorriso bonito se abriu nos lábios do anjo quando viu sua criança encarando a cena toda como se Papai Noel tivesse passado mais cedo em sua casa naquele ano.

O adolescente se apressou até o anjo, ajoelhando-se entre suas pernas e o abraçando com força.

Evan se pegou pensando como os humanos eram seres notavelmente fortes. Isak tinha uma vida que não era invejável para ninguém e, no entanto, mesmo depois de todas as atrocidades daquela semana, o rapaz parecia plenamente feliz com aquele pequeno ato proporcionado pelo anjo do ar, que retribuiu o abraço calorosamente, apertando a cintura pequena e beijando o topo de seus cabelos.

"Teve um bom dia de aula?" Indagou o anjo, passeando os dedos pelos cabelos lisos do menino, vendo os olhos levemente forrado de lágrimas, que ele fazia o possível para não deixar caírem.

"O mesmo de sempre... Mas estou feliz por chegar em casa, pela primeira vez na minha vida." O mesmo de sempre, para Isak, era algo que particularmente não o agradava, mas com o que ele conseguia lidar. Não era a melhor resposta para a pergunta de Even, mas o anjo já encontrava-se satisfeito por conseguir um sorriso de sua criança.

"Vá comer então, antes que esfrie." O loiro sugeriu, vendo os olhos brilhantes do adolescente o encararem quase apreensivos. "Eu não vou a lugar algum, fique tranqüilo." E sorriu quando o Valtersen levantou-se, indo com ansiedade para as panelas enfileiradas, enchendo o prato que havia em cima da mesa em pouco tempo.

"Você que cozinhou?" O pequeno perguntou, começando a comer com uma expressão de felicidade que parecia impossível a alguém com uma vida tão sofrida, até aquele momento.

"Sim... Não que eu entenda muito de culinária porque eu não como, mas ser um anjo tem suas vantagens... Algumas habilidades humanas são facilmente aprendidas." Respondeu com um sorriso, enquanto permanecia sentado no chão, as asas invisíveis aos olhos do impuro.

Broken SoulsOnde histórias criam vida. Descubra agora