Nove Meses

521 34 7
                                    

           Uma luz acesa anunciava que a insônia impedia alguém de dormir

Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.

           Uma luz acesa anunciava que a insônia impedia alguém de dormir. Era uma luz fosca, luz de velas, deixando o local sombrio, feio e abandonado. Sentado apoiado em uma mesa de uma cozinha sádica, estava um homem com feição de preocupado. Olhava alguns papéis de perto enquanto calculava algo com um lápis em folhas amareladas. O único barulho que se ouvia era a ponta do lápis arranhando a superfície grossa daquele papel.

        O homem com grandes índices de canseira, não físicas mas psicológicas não aguentava aquela vida, estava triste, estava apavorado. Levantou-se e rumou para um dos armários daquela cozinha humilde, abriu as portas que rangeram, mas lá dentro nada havia além de um pacote de biscoitos embolorados.
Abaixou os olhos, enquanto sua barriga roncava, a fome era tanto que abriu aquele pacote de biscoitos velhos e os comeu rápido, sem hesitar. Murmurava consigo mesmo, estava em desgraça e nada poderia ajuda-lo.
Um barulho anunciava que mais alguém adentrava naquele recinto, a luz das velas provocava umas sombras de grandes proporções nas paredes, era a mulher, provavelmente a esposa daquele homem desolado.
         - Vamos ficar bem! – Murmurou ela baixo para o homem. Nós vamos ficar bem!
        Sem forças aquele homem apenas olhou pra ela, fez sinal positivo, mas seu olhar dizia o contrário. Sentaram-se de frente um para o outro na mesa de madeira. E adormeceram ali mesmo, ouvindo o silêncio ameaçador e vendo os últimos pingos de vela cair enquanto a luz sumia, os deixando em trevas...
Pouco depois, aquela mulher acordou abruptamente num susto e correu para o armário atrás de algo para comer, estava com muita fome, mas nada encontrou. Seu marido estava desempregado e nada conseguia fazer para melhorar aquela situação. Então começou a chorar, suas lágrimas caíam sem parar, a mulher levou suas mãos à barriga, acariciando devagar e olhava de lado para o marido com um olhar desesperado. Estava esperando uma criança, mas não queria contar ao marido, não naquelas circunstâncias.
Pensou um pouco consigo, enquanto estava encostada na janela olhando para fora. Sua feição mudou, agora parecia estar desesperada, aflita e feliz ao mesmo tempo. Ela lembrou-se que uma mulher estranha e sinistra a havia parado na rua dias atrás perguntando se precisava de ajuda.
          Pouco depois deixou seu marido na cozinha, saiu às pressas daquela casa, pelas ruas escuras e por sorte encontrou aquela velha mulher deitada ao relento na praça pública.
         - Eu sabia que voltaria, que viria me procurar! – Disse a mulher apontando para a moça, com suas unhas enormes e dedos cheios de anéis simbólicos.
         - Não tenho escolha! Estamos em desgraça, não temos nem o que comer mais! – Disse a moça desabando a chorar – Não tenho escolha.
Aquela velha senhora olhou para ela com pena e disse:
          -Saiba que esta escolha é perigosa e sem volta!
         - Não tenho escolha!
          A velha de preto fez sinal positivo com os olhos e pediu para que a moça desesperada a seguisse. Caminharam por uma alameda deserta e escura, feixes de luz vindos da lua cheia atravessavam os galhos de árvores. E chegaram à um cemitério, onde ostentava um ar gelado, afinal bem ali estavam centenas de corpos jazendo, sendo devorados por vermes.
A senhora de preto abriu com cuidado o portão bolorento e enferrujado dando passagem para elas entrarem, a moça estava com medo, porém firme enquanto a velha senhora a chamava para acompanhá-la.
          - Venha! Venha!
            Quando andavam pelos caminhos estreitos entre túmulos velhos, baratas e ratos iam abrindo caminho, como uma grande mancha negra. As corujas ali faziam um coral fúnebre, fazendo jus àquela noite macabra.
Por dentro a moça estava desesperada, pensando no seu marido, nos problemas e em seu filho que estava carregando. Aquela velha senhora sempre fora confiável, sempre fora meiga e querida com ela, como se substituísse sua mãe que já havia falecido.
           -Não tenha medo! – Dizia a senhora enquanto riscava o chão, desenhando uma estrela circulada. - Vai ficar tudo bem!
Agora paradas, uma de frente para a outra em volta daquela estrela circulada, a senhora perguntou mais uma vez:
           - Esteja certa do que está fazendo, tem certeza de que é isso que vai querer?
           - Não tenho escolha! – Repetiu a moça.
Então naquele momento a senhora fez o símbolo da mão chifrada e começou a dizer palavras para invocação, ela estava invocando um demônio. Um vento forte levantou poeira do cemitério fazendo um barulho estranho e zunindo entre os túmulos como se um redemoinho passeasse entre as tumbas. E bateu aquele cheiro horrível de enxofre enquanto a senhora levava as mãos à garganta e caía de joelhos...
             - A senhora está bem? – Gritou a moça em meio a fumaça – Senhora?
A senhora de preto levantou o rosto para olhar para a moça a sua frente e seus olhos já não estavam pretos, estavam amarelos, estavam comprimidos e pareciam estar palpitando como batidas de um coração.
            - Eu sinto as batidas do seu coração e o desespero de sua alma, Beatriz! – Disse a senhora coma voz transformada, o demônio havia possuído seu corpo – E estou aqui para te ajudar!
Beatriz, a moça desesperada não tinha voz, estava assustada com tudo.
-Vamos me diga, vamos negociar minha jovem! Diga-me, qual é o vosso problema?
             - Você é o Diabo? – Perguntou a moça.
            - Depende! – Respondeu o demônio – Poderia ser Belzebu, Diabo, Demônio da carne, Judas, Satanás... Lúcifer!Mas não sou... Sou apenas um servo do meu pai, eles está ocupado demais governando o inferno para atender pessoas com seus problemas. Sou Crowley, vamos me diga seu problema Beatriz, tem a ver com seu filho?
          - Como sabe que estou esperando um bebê?
          - Posso ver nos seus olhos! Vamos acabar com esse sofrimento!
          - Preciso de dinheiro, preciso de emprego para meu marido, não aguentamos mais viver nessa miséria!
           - Vai ficar com o básico! E o que eu ganho em troca? – Perguntou o Demônio olhando dentro dos olhos de Beatriz.
          A moça nada disse, estava sem palavras, não sabia como cuidar da situação.
        - Vou lhe fazer uma sugestão! Dê-me sua alma ou... Vou querer ficar com seu filho.
Beatriz levou as mãos à boca assustada.
           - Vamos lá... – Continuou o demônio – Antes de ontem mesmo você disse a você mesma que este filho era um peso, que sem ele seria mais fácil de levar a vida... Alma ou filho.. É pegar ou largar.
Com lágrimas nos olhos a moça aceitou a proposta.
           - Não tenho escolha!
           Então o demônio sorriu sarcástico e saiu alegando que iria ficar com o corpo da senhora de preto por um tempo, entregou uma flor seca para ela, disse que em sete anos do galho seco iria nascer uma flor azul, era sinal que ele estava voltando para buscar a criança.



           O marido de Beatriz havia acabado de chegar do serviço, tinha sido promovido, e também havia comprado pizza para o jantar em família. Era o aniversário do filho do casal. Então resolveram fazer uma surpresa, eles haviam comprado um presente importado do exterior, caro, coisa pra gente que tem dinheiro e iriam chamá-lo para ver. Chegaram de fininho na porta e abriram gritando feliz aniversário, porém o quarto estava vazio.
Desesperados, os pais começaram a gritar pelo filho mas ele não respondia. Então o marido chamou a mulher questionando sobre algo que estava sobre a cama. Beatriz chegou perto e pode ver um galho seco e bem na ponta havia uma flor linda, desabrochada na cor azul. Lembrou-se do pacto feito há sete anos.
Gritou por horas de desespero e na manhã seguinte o pai, marido encontrou Beatriz pendurada na madeira do portal da escada, ela havia se suicidado.



Conto integra o livro O Baú de Maldições.  

O Assustador e Doentio Livro de Histórias de TerrorOnde histórias criam vida. Descubra agora