Capítulo quatro

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25 de abril de 2017

São 2h00 e ainda não consegui dormir nem um instante, preso no turbilhão de pensamentos que confunde a minha mente. É mais uma madrugada chuvosa em Seattle, ou seja, mais uma noite em que o único jeito de conservar o calor do meu corpo é me afogando num amontoado de lençóis, já que não tenho mais o corpo da minha Ellie para ajudar a manter-me aquecido. Decido levantar para fazer um chá e, enquanto ponho a água na chaleira, pego-me pensando em nossa primeira noite juntos:

Era por volta de 21h00 de sexta quando aterrissei na cidade depois de passar 20 dias em Nova Iorque cuidando da Jillian. Estava exausto, mas sabia que a tentativa de ir descansar em casa seria em vão, pois os acontecimentos dos últimos dias voltariam à tona nos meus pensamentos e me impediriam de dormir. Então lembrei que devia explicações a alguém que havia deixado em Seattle e decidi ir vê-la mesmo correndo o risco de acordá-la.

Durante todo o trajeto tentei pensar numa maneira sutil de contar o que houve naquele dia, mas era impossível, pois ela ficaria chocada de qualquer maneira. Desci do táxi e tomei bastante ar antes de tocar a campainha do seu apartamento. Como eu havia previsto, uma Ellen de voz sonolenta respondeu pelo interfone perguntando quem era. Lembro de ter pedido desculpas por tê-la acordado, mas disse que precisava muito conversar com ela. Ellie permitiu que eu subisse, recebeu-me com aquele sorriso que tanto me faz falta nos dias de hoje, convidou-me para entrar e gentilmente ofereceu-se para nos preparar um pouco de chá. Em cima da mesa de centro estava Cartas de Amor de Homens Notáveis, que é uma coletânea em forma de livro com várias cartas de homens historicamente importantes. Ela me viu folheando-o e disse que era seu favorito. Disse que achava interessante o fato de que até alguns dos homens mais importantes do mundo sofreram por amor.

Ellen trouxe nossos chás e sentou-se ao meu lado no sofá. Ela me encarava e eu logo pude notar que seus olhos pediam uma explicação para o ocorrido daquele dia. - Já mencionei que ela tem o poder de dizer com o olhar tudo o que está pensando? Bom, pelo menos tinha -. Eu fui bem franco com ela e disse tudo o que houve: o aborto espontâneo, o divórcio, a briga... e honestamente achei que ela me colocaria pra fora do apartamento, mas, contrariando meus pensamentos, ela apenas perguntou como eu estava me sentindo depois de tudo isso e disse que eu poderia conversar com ela sempre que sentisse vontade. Agradeci a preocupação e ela, provavelmente percebendo que eu ainda estava meio aéreo, disse que precisava me mostrar algo e levou-me até a janela do seu quarto para que eu pudesse admirar a beleza da Space Needle num enquadramento perfeito e tendo a Lua num céu todo estrelado como plano de fundo. Eu já havia presenciado algumas das mais lindas vistas da América do Norte, mas essa tinha algo que a fez ser a melhor de todas: a companhia.

"Não se sente melhor podendo observar a coisa mais linda que há nessa cidade?" 

Ela me perguntou ainda de olhos fixos na vista. E eu, olhando fixamente para ela disse que sim. Quando Ellie percebeu que eu não me referia à vista, olhou-me e deu um sorriso tímido e a única reação que eu tive foi puxá-la para perto de mim e beijá-la. Ali nós tivemos a nossa primeira noite. Sendo observados pela Lua.

...

Um vento forte o suficiente para apagar a chama do fogão adentra pela cozinha e eu percebo que deixei a janela aberta. Caminho para fechá-la e dou de cara com a Lua mais prateada que o normal e não consigo segurar o choro lembrando, talvez, de todos os momentos que eu e Ellen vivemos juntos, mas principalmente pensando nos momentos que não teremos.

Aprendi a apreciar o livro Cartas de Amor de Homens Notáveis depois de tanto observar Ellie lendo e é na companhia dele que caminho em direção à varanda para admirar a beleza da Lua e tomar meu chá. De todas as cartas que no livro se encontram, a minha favorita é, sem dúvida, a de Beethoven à sua Amada Imortal. Era assim que ele se referia a ela e por essa razão não sabemos seu nome e, curiosamente, nenhuma das 10 páginas escritas à mão pelo próprio Beethoven chegou a ser enviada. Dentre todos os trechos da carta, o meu favorito é aquele em que ele demonstra toda sua saudade e deixa bem claro que sua Amada Imortal era tudo o que ele precisava.

"Bom dia, em 7 de julho [de 1812]

Embora ainda esteja na cama, os meus pensamentos vão até você, minha Amada Imortal, agora felizes, depois tristes, esperando para saber se o destino nos ouvirá ou não. Eu só posso viver completo contigo ou não viver. Sim, estou decidido a vaguear assim por muito tempo longe de você até que possa voar para os seus braços e dizer que estou em casa, e poder enviar a minha alma envolta em você ao reino dos espíritos. Sim, isto deve ser tão infeliz. Você será mais contida quando souber da minha fidelidade à você. Outra jamais poderá ter o meu coração, nunca, nunca, Oh, Deus! Por que um precisa estar separado do outro quando se ama. E, no entanto, a minha vida em V[iena] é agora uma vida miserável.

O teu amor me faz ao mesmo tempo o mais feliz e infeliz dos homens. Na minha idade eu preciso de estabilidade, de uma vida tranquila. Pode ser assim na nossa relação? Meu anjo, acabo de ser informado que o carteiro sai todos os dias. Por isso devo terminar logo para que você possa receber a carta logo. Fique tranquila, somente através da consideração tranquila de nossa existência podemos atingir o objetivo de vivermos juntos. Fique tranquila, me ame, hoje, ontem, desejos sofridos por você, você, você, minha vida, meu tudo, adeus. Oh, continue a me amar, jamais duvide do coração fiel de seu amado.

Sempre teu
Sempre minha
Sempre nosso."

Ah, Deus. Como eu sinto falta da minha Ellie. Se fosse possível dar a minha vida para que ela continuasse vivendo normalmente a dela, eu com certeza o faria, pois ninguém pode imaginar quão grande é a minha dor ao vê-la tão doente a ponto de não reconhecer a mim e nem a nossos filhos. Eu só queria que houvesse um jeito de poupá-la da sua doença.

**

84 anos depois aqui estou eu escrevendo um novo capítulo e eu espero de verdade que vocês gostem.

Tenho estado sumida porque ando um pouco ocupada com os estudos, mas percebi que se eu organizar o meu tempo dá pra fazer os dois, então vocês voltarão a ver novos capítulos com mais frequência.

Deixem-me saber o que vocês estão achando e, por favor, deixem sugestões do que vocês gostariam de ver na história.

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