O caçador branco

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 Há 587 anos, um devastador evento aniquilou uma enorme parte da humanidade. Encurralados, os humanos restantes se concentraram numa cidade que possuía a passagem para uma recém descoberta rede de cavernas, ainda pouco explorada. Sem outras opções, as pessoas decidiram se abrigar nas cavernas, esperando seu lento e escuro fim. Ainda hoje são contadas histórias de que a última coisa vista pelos sobreviventes da superfície fora uma colossal tempestade vermelha que destruía toda a cidade.

 No fundo das cavernas, em uma quase completa escuridão, os últimos humanos encaravam em silêncio seu trágico destino. Entretanto, a esperança das pessoas se reacendeu quando eles surgiram: os Portadores de Luz. Trazendo consigo o misterioso material, LightStone, o qual controlavam com perita habilidade, estes foram capazes de reavivar a fé de muitos mostrando-lhes que com o uso desse material seria possível recomeçar a civilização naquele lugar. A respeito da LightStone, essa aparentava ser uma espécie de areia que os Portadores movimentavam como bem queriam, sem aparentes restrições, mas com a singular característica de emitir uma forte luz caso seus controladores assim desejassem.

 Explorando todo o mundo subterrâneo, o qual chamaram de Gáltes, sob a liderança dos Portadores de Luz, as pessoas se estabeleceram em vários lugares, criando cidades e vilas espalhadas por todo o território. A LightStone passou a ser usada nas mais diversas funções, sendo espalhada por vários caminhos, cavernas, e, principalmente, nas cidades, simulando o ciclo de dia e noite pelo bem-estar das pessoas. Além disso, LightStone fora usada na fabricação de armas para combater a muitas vezes hostil fauna gáltica, animais que ficaram conhecidos como Tenebrae Animalia.

 Apesar de todo o avanço das pessoas nesse novo mundo, 217 anos depois, os Portadores de Luz simplesmente desapareceram. Para conter o alvoroço gerado por esse acontecimento na população, Niller Volna, secretário dos principais Portadores, com o apoio dos principais governadores, declarou-se como Rei de Gáltes, trocando seu nome por Niller Gáltes e dando início a uma nova monarquia. Ainda hoje, com Laban Gáltes, sua linhagem permanece no poder.

Localização Desconhecida

08/02/585 – 21ª Badalada, 31ª Luz.

 Uma densa floresta se fazia testemunha de uma incansável fuga. Certa figura, que por sua velocidade não permitia ser entendido como mais que um mero vulto, passava por todo o labirinto de troncos e galhos como se estivesse correndo numa pista plana. Olhando para trás, uma segunda figura se aproximava inumanamente rápido, obrigando-lhe a acelerar e arriscar tomar caminhos ainda mais complicados.

 Não demorou até que a segunda figura fizesse algo. Escutando um som característico, imediatamente o primeiro olhou para trás, apenas para confirmar a lança que cortava o ar em sua direção. Desviando com exímia facilidade, o rapaz parou sua fuga logo que a lança fincou-se numa árvore próxima. Tomando-a e virando-se para trás, ele falou:

 – Eu já entendi, Sazamiel.

  Simultaneamente chegara a segunda figura, sem demonstrar qualquer sinal de fadiga em seu corpo, nem mesmo em sua voz, dizendo:

 – Não fique triste, Vince. Não é nada pessoal. Apenas não valia a pena deixar passar a oportunidade.

 – Então por que o tratamento especial?

  – Porque eu o respeito como um igual, Vince.

 Apertando o cabo da lança, ele respondeu:

  – Você é mesmo da Re-Gênesis?

  – Isso é tão importante assim? Vamos, já está na hora de você virar luz.

Cavernas Paon, proximidades da Vila Aklah

16/04/587 – 10ª Badalada, 26ª Luz.

 Andando calmamente pelas calmas Cavernas Paon, uma figura única se dirigia à sudeste, rumo a Vila Aklah. Um jovem garoto de cabelos e olhos brancos observava as estalagmites que se encontravam em ambos os seus lados, tendo o som das gotas de água caindo do teto da caverna como o único barulho audível à horas. A fraca iluminação do local, composta de pequenas lâmpadas presas por fios ao baixo teto da caverna, dificultava a visão do que havia além das estalagmites, mas minúsculos vultos podiam ser vistos ao longe.

– Devem ser coelhos cegos. Amam lugares escuros assim - disse o jovem, forçando um pouco a vista.

 O desarrumado penteado do garoto terminava em um curto e assanhado rabo de cavalo, preso com um laço preto. Em sua orelha esquerda, havia um pequeno brinco redondo contendo o desenho de um X preto na frente de um detalhado desenho de uma lança, tudo sobre um fundo branco. Apesar de carregar uma grande e aparentemente pesada mochila nas suas costas, o rapaz andava naturalmente, como se a mesma não o incomodasse. Sua roupa consistia de roupas leves, uma calça escura não muito apertada, com um cinto de pano na cintura e amarras nos tornozelos, uma camiseta preta de malha, apertada, embaixo de uma frouxa camisa branca, com longas mangas, cobrindo todo os seus braços, com bastante espaço para esconder todo tipo de coisa. Em seus pés, um simples par de sapatos de couro, desgastados e sujos de poeira, devido à longas andanças.

 Olhando em frente, uma luz mais intensa podia ser vista. Acelerando o passo, o jovem seguiu com pressa para a saída da caverna, deixando de admirar as formações rochosas que o cercavam. Após cerca de 4 minutos quase correndo, finalmente uma visão completamente diferente: um lugar bem aberto e iluminado, uma grande pedra de LightStone presa ao alto teto espalhava uma reconfortante luz por todo o lugar. A continuação do caminho que o rapaz seguia era uma bela ponte, com impressionantes detalhes talhados na madeira que a compunha,  detalhes que retratavam o incrível ambiente local. A ponte passava por um calmo riacho que cruzava perpendicularmente a saída das Cavernas Paon, e seguia ao nordeste de Gáltes. As duas margens do riacho Aklah eram repletas de grama, um cenário pacifico, ainda mais com o Peixes de Aklah pulando por toda a extensão do rio. Alguns pequenos coelhos cegos se aventuravam pelo local, visto que algumas árvores frutíferas estavam cheias de fruto, e com muitos outros no chão. Os silenciosos pássaros locais terminavam de embelezar o local.

 Para descansar, o rapaz se sentou no chão e recostando-se numa dessas árvores, tirou a mochila que estava em suas costas, pegou uma faca que estava presa em sua cintura e, arremessando-a para cima, derrubou uma maçã para ele. Pegando sua faca, inteiramente feita de LightStone, antes que essa atingisse um coelho cego em sua queda, o garoto a levantou, olhando para a enorme pedra de LightStone do teto e para sua faca ao mesmo tempo. Admirando os detalhes que em ambos eram os mesmos, ele disse:

 – Deixar essa faca num farol né? Espero que ache isso logo.

 Pondo-se de pé, guardando sua faca na cintura mais uma vez, e recolhendo sua mochila que estava caída, o jovem se olhou na água do riacho.

 – Acho que eu chamo muita atenção. Mas tanto faz, qual caçador não chama a atenção mesmo né? E esse desvio valeu mesmo a pena. Até comida de graça tem aqui. Melhor que dar de cara com algum behemote azul indo pelo caminho mais curto - disse o garoto com um sorriso no rosto, enquanto limpava a calça.

 Enquanto voltava ao caminho, saindo do riacho e indo para a ponte, comendo mais uma maçã e guardando outras, o rapaz olhou para a próxima caverna que entraria, a curta caverna de Aklah, a última antes da vila. Mas, repentinamente, vindo da direção da vila, um poderoso rugido ecoou até ali.

 – Perdi muito tempo em Paon, melhor me apressar. Por que essas coisas num simplesmente dão a volta sozinhos? Deus queira que num tenha nenhum vermelho lá, já vou ter trabalho demais. Também não adianta ir correndo, só pra chegar cansado. Ao menos sair do Labirinto Sonoro vai ser moleza.

 Enquanto suspirava, o garoto foi andando de cabeça baixa em direção ao seu próximo trabalho.

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