A garota de Aklah

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Cavernas de Aklah, entrada noroeste da Vila de Aklah

16/04/587 – 11ª Badalada, 49ª Luz.

 O termo cavernas, com o passar do tempo, começou a ser usado apenas quando as pessoas referiam-se a lugares com o teto baixo. Esse é o caso da pequena rede de cavernas Aklah, a quieta saída da vila de mesmo nome rumo ao norte da região. Por ser um caminho mais longo, as pessoas só costumam passar por ele quando a Estrada Pétrea está barrada, por qualquer que seja o motivo. Durante duas semanas por ano a Estrada Pétrea torna-se um lugar perigoso especificamente entre a Vila de Aklah e uma pequena cidade, Vena. Isso ocorre devido a migração dos Behemotes Azuis, uma espécie de Tenebrae Animalia bastante perigosa.

 "Já devo tá chegando. Aquele rugido provavelmente veio de algum lugar perto do monte Conenheim. Pelo tempo que já faz, devo chegar a tempo ainda."
Precavido, Allu evitava falar em voz alta enquanto estava ali. "O Labirinto Sonoro não sabe guardar segredos". Esse era um ditado comum entre os viajantes que costumavam passar por ali. A característica única de preservar qualquer som e espalha-lo por longas distâncias fazia com que falar sozinho fosse impossível.

 Caminhando a passos largos, o jovem já estava quase encontrando os campos aklios, região onde encontra-se a Vila de Aklah, e caminho da migração dos lagartos-rinoceronte. Diferente da cinzenta Caverna de Paon, as Cavernas Aklah são cobertas de musgos, já que ali sopra o húmido vento dos campos ao sul. Portanto, são cavernas onde o reconfortante verde, tanto nas paredes de terra recoberta de musgos como na baixa grama, junto do refrescante vento, proporcionam um sentimento de ansiedade, o que fez o jovem apressar-se ainda mais.

Campos, como os campos aklios, são costumeiramente bem iluminados, visto que por toda a extensão de seus tetos, são espalhadas pedras de LightStone, trazendo uma enorme proximidade com os lendários Dias da Superfície. A saída das cavernas dava em um ponto mais alto que o nível médio do solo, proporcionando uma vista panorâmica de todo o campo, até onde os olhos conseguissem enxergar. Um cenário capaz de fazer a própria palavra Belo curvar-se perante ele.

 Sabendo da visão que teria, o garoto aventureiro animou-se e sem conseguir conter a ansiedade, correu para a saída, que se encontrava a direita do caminho que percorria. Porém, momentos antes de chegar no fim, outro rugido ecoou até ali. Pego de surpresa, o rapaz parou por um momento.

– Essas cavernas são bem estranhas. Parece que o som passa por aqui sem diminuir. Será que é porque aqui os corredores são mais estreitos? Que seja, eles já estão encima da vila. – falou o jovem, enquanto voltava a andar com pressa.

 Com mais alguns poucos segundos de caminhada a saída já tornou-se visível, trazendo consigo uma claridade bem maior que a das cavernas, que era basicamente composta de pequenas lâmpadas nas paredes, contando principalmente com a iluminação de fora.

Com um sorriso largo no rosto o jovem deu seu último passo para fora dali. A grandiosa visão dos campos aklios obrigou o rapaz a observar por alguns instantes. Toda a extensão deles, cobertas de uma grama verde baixa, com várias árvores espalhadas próximas a rochas, cortado por um pequeno rio que vinha do Monte Densta, a direita de quem sai das cavernas, mesmo monte que dá origem ao Rio Aklah. O relevo inquieto subia e descia e, com a ajuda da grama e do vento, fazia parecer que a terra estava em movimento. Com a leve brisa brincando com seus cabelos, satisfeito, o jovem disse:

– Povo de Aklah, Allu chegou!

Vila de Aklah, nordeste dos campos aklios

16/04/587 – 12ª Badalada, 2ª Luz

Aklah costumeiramente era uma vila quieta, mas com seus moradores na cidade vizinha, Rhaja, a vila estava ainda mais silenciosa. Assustadoramente silenciosa. Ainda assim, não tão assustadora quanto um lagarto-rinoceronte. Infelizmente, cerca de 30 deles estavam enfileirados, seguindo o líder do bando, prontos para passar por cima das frágeis casas aklianas.

Uma surpreendente cena era protagonizada por eles: enquanto eles tentavam avançar para passar pela vila, que estava a pouco mais de 50 metros, uma jovem garota encontrava-se de braços abertos, com uma expressão determinada, firme, disposta a tudo para impedir que as feras destruíssem a vila. Curiosos com a situação, alguns lagartos-rinoceronte, 3 deles, passaram a encará-la, ficando perigosamente próximos, fazendo os cabelos da moça serem soprados a cada respiração deles.

 A moça, de cabelos um pouco abaixo dos ombros, cabelos lisos, negros, não se deixara abalar com as monstruosas presenças à sua frente, mantendo a postura, inabalável. Seus olhos, encantadores como esmeraldas, refletiam os afiados dentes das criaturas. Um olhar pesado, como o de quem fora tirado algo fundamental, era o mais inacreditável. A força necessária para salvar sua vila segurava seus braços, e suas pernas já eram exemplares colunas. Suas sandálias simples, amarradas nos tornozelos, firmaram-se no solo, como que jurando não trai-la e correr dali.

Quanto ao restante de sua vestimenta, era composta apenas de uma blusa cinza, sem mangas, abotoada na frente com botões brancos, coberta de um simples colete feminino preto. Eram notáveis as típicas bermudas da região, marcadas pelo uso de 4 argolas na lateral esquerda. Em suas mãos haviam pulseiras prateadas, e o que parecia um pano usado para amarrar o cabelo.

À medida que os animais chegavam mais perto ainda, desfazendo a fila na qual chegaram, a expressão da moça mudou de determinação para descontentamento.

“Maldito caçador. Nem pra chegar na hora serve. Espero que seja triturado por esses bichos. O cheiro dessas coisas já tá grudado em mim. Que ódio!”, pensou a garota.

 Então, algo fora das expectativas dela ocorreu: os lagartos começaram a refazer a fila. A inesperada atitude das bestas fez com que a garota suasse frio.  Pouco a pouco eles reorganizaram-se, todos atrás do líder, reconhecido assim pelo seu porte físico mais musculoso que os demais.

 Os lagartos-rinoceronte eram seres peculiares. Andavam sob 4 patas, musculosas, duras como pedra, enquanto a cauda, fina e curta, balançava como um chicote. Medindo aproximadamente 2,5 metros de altura, 8 metros de comprimento e 1,5 de largura, era uma criatura enorme comparada a maioria das outras espécies de Tenebrae Animalia. Os cascos em suas patas eram amarronzados, um pouco mais claro que a cor de seu grosso couro. A sua cabeça amedrontava quaisquer viajantes que passassem perto deles, a começar pelos 3 chifres enfileirados a partir de seu focinho, até perto dos olhos, pequenos olhos. Sua enorme boca lhe permitia devorar um ser humano em duas mordidas. Curiosamente, a feras eram seres onívoros, e geralmente comiam da vegetação baixa de campos, pouco recorrendo a caça.

Após cerca de 5 minutos, que pareceram eternidades para a moça, finalmente eles terminaram de organizar-se. Sem conseguir mover um músculo, a garota ficou imóvel frente a isso. Por fim, em sequência, vindo de trás para frente, todos os lagartos-rinoceronte rugiram extremamente alto, fazendo com que a garota caísse de joelhos, forçando-a a tapar os ouvidos. Atordoada, para ela não era possível pensar em nada naquele momento. Tentando ficar em pé novamente, a moça deparou-se com uma visão terrível: o líder das feras em pé sob as patas traseiras, pronto para esmaga-la com toda sua força.

 Assustada, ela apenas conseguia olhar para a criatura, imobilizada de pavor.

 Uma afiada lâmina presa a uma corrente passara, então, diante de seus olhos, fincando-se na pedra um pouca à esquerda de onde ela estava.

 – O qu... ­–

Antes de conseguir olhar para direita, direção de onde viera a corrente, uma figura indistinguível de tão veloz, como que puxada pela lâmina que quase a dilacerara, veio em sua direção, agarrando-a e tirando-a de debaixo da sombra do monstro, que no mesmo instante acertou o chão.

Ainda abalada, com sua visão turva pela rapidez com que fora puxada, a moça escutou:

 – Moça! Você está bem? Vamos, precisamos ser rápidos. – falou Allu enquanto puxava a moça, que aos tropeços o acompanhou.

– Você por acaso é o caçador contratado? – perguntou a jovem, com uma voz baixa e fraca, com a mão na testa.

– Sim. Pode me chamar de Allu, enviado da guilda dos caçadores. ­– confirmou Allu, com um sorriso no rosto e o polegar esquerdo apontando para o próprio peito.

 A moça largou sua mão. Olhando pro chão e rapidamente levantando o rosto, com o punhos fechados, ela gritou:

 – Idiota!

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