2 // túnel de decepções

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Deveriam ter se passado dois dias desde que Tony saiu às pressas da Torre Stark. Naquele momento não sabia muito bem por que havia fugido, mas agora entendia. Ele temia uma sensação que sabia que viria a sentir posteriormente, aquele remorso e culpa dentro de si. E tinha plena consciência de que se estivesse aos arredores de Steve, aquela sensação seria trocentas vezes pior. Então, de um ponto de vista específico e ligeiramente simpatizante com covardia, eram bem plausíveis as atitudes de Stark naquele exato momento. Até mesmo o fato de ter passado duas noites em seu carro, ouvindo rock e pensando na vida sem dormir dois minutos que fossem.

Os receios não deixavam a mente do gênio, tal qual a culpa que sentia pelo que havia feito — e por ainda não ter ido se desculpar, de qualquer maneira. Era uma bola de neve que tendia a ficar cada vez maior e Tony duvidava ser capaz de poder carregá-la nas costas por mais tempo.

Então subitamente, o rapaz ficou ereto no banco de trás do carro e olhou para frente como se estivesse cara a cara com Steve. Talvez a visão da estrada vazia, misturada com o sol escaldante e o cheiro de cocô de cachorro não fossem exatamente comparáveis aos lindos olhos cor-de-mar do Capitão, mas ele podia fingir. Era só usar a imaginação. Ele era bom nisso.

Stark, você é bom nisso.

— Desculpe. Eu fui um idiota... Não queria ter machucado você. Por favor, me perdoe. Podemos ser amigos? Colegas? Parceiros? De fo... — tudo bem, boca fechada não entra mosca.

Um suspiro escapou dos lábios finos de Stark enquanto ele dava partida no carro. Passou num posto antes, afinal não queria correr o risco de se atrasar mais para sua audiência. Por Odin, como aquilo podia ser mais ridículo? Talvez o fato do gênio estar suando como se estivesse num deserto já explicasse a situação toda por si só. Estava fedendo por sinal. Era melhor tomar um banho antes de ir falar com Steve. Além de metido, egocêntrico e egoísta, fedido poderia entrar na lista de coisas que faziam o Capitão odiá-lo daquela maneira inexplicável.

Assim que chegou à Torre, Tony entrou correndo no prédio e pegou o elevador quase fechando. Sua respiração estava desregrada. Maldita ansiedade. Quer dizer, não era bem um ataque que estava tendo agora... Era mais como uma breve sensação de nervosismo por ter feito uma merda e não ter consertado essa merda quando podia, transformando-a então em uma merda maior. Agora tinha de explicar por que fez aquilo e por que demorou dois dias pra pedir desculpas. Mas que espécie de ser humano era Stark, afinal? Incapaz de admitir estar errado de primeira? Pft, Tony.

— Certo, vamos lá — disse para si mesmo quando viu que faltava apenas um andar.

Ele caminhou sorrateiramente por seu apartamento e tomou um banho rápido, arrumou os cabelos e se perfumou como se estivesse indo pra uma balada arrumar “pra hoje”. E talvez no fundo achasse que isso poderia acontecer, mesmo sabendo que seu sentimento por Steve era sem dúvidas platônico. Tanto pelo fato de nem ser um sentimento mesmo como pelo fato de Steve ser aparentemente hétero e odiá-lo com todas as suas forças — que não eram poucas.

Tony suspirou. Deveria ter passado mais tempo no carro pensando. Tudo aquilo deixava-o assustado e confuso, coisas que ele não nunca sentiu antes. Até mesmo o barulho de seus próprios passos o atordoava. Com o milésimo suspiro, ele entrou no elevador novamente e seguiu para o andar onde seus colegas trabalhavam e Steve provavelmente estaria.

Ao dar às caras com Banner, ele sentiu certo alívio e desapontamento ao mesmo tempo. Talvez estivesse esperando uma recepção calorosa de Steve por estar preocupado com seu sumiço. Mas tudo bem. A vida é um túnel de decepções.

— Stark, quanto tempo. Achei que tivesse morrido — disse Banner, não sendo sarcástico mas também nem um pouco gentil. Tony apenas sorriu forçado para o doutor, checando com os olhos se Steve estava naquele cômodo.

Nada.

— Onde estão os outros?

Bruce deu de ombros daquele seu jeito meio desajeitado e meio descontraído, voltando ao que estava fazendo antes de Stark chegar.

— Natasha e Clint não estão. Thor está em Asgard e Steve provavelmente está no laboratório esperando por você desde que você sumiu dois dias atrás — disse calmamente, alterando o tom de sua voz de maneira suave para que Tony percebesse quão ferrado ele estava.

— Okay. — foi tudo que respondeu antes de sair.

Tony foi ao laboratório. Steve estava de fato sentado em uma cadeira, tão cabisbaixo a ponto de fazer o gênio sentir-se levemente culpado por deixá-lo preocupado. Ou não, talvez ele só estivesse realmente cansado de esperá-lo. Ou mesmo nem estivesse o esperando em primeiro lugar.

Stark calou os próprios pensamentos e abriu a porta de vidro sem fazer nenhum barulho. Caminhou devagar aonde Steve estava sentado e escondeu a mão nos bolsos, sem dizer uma palavra. Steve, por sua vez, levantou o rosto para olhá-lo nos olhos e sua primeira reação foi sorrir, então voltou a ficar sério e rapidamente ficou de pé.

Suas orbes claras, por mais que quase transparentes, ainda não conseguiam explanar as reais emoções do Capitão. E ainda assim, de alguma forma, Tony conseguia vê-las, senti-las e entendê-las. Havia um brilho diferente nos olhos de Steve, entretanto, muito diferente da usual indiferença e autoridade quando o soldado ia trocar palavras com o gênio. E notando isso Tony viu-se no direito — e até dever — de erguer a mão para tocar a bochecha do mais velho. Pareceu uma boa ideia por treze milésimos, até Rogers franzir o cenho e se esquivar do toque estranhamente agradável de Stark.

— Steve... — Tony começou, suspirando logo em seguida. Rogers continuava calado e observava-o cuidadosamente de braços cruzados e semblante sério. — Sobre aquele dia que eu machuquei você... Eu sinto muito.

— Você não me machucou — retrucou Rogers, quase como uma criança. — E por que demorou tanto pra se desculpar? Sendo que não foi nada.

— Não foi nada pra você — as palavras saíram quase que deslizando da boca de Tony, sem ele nem mesmo perceber. Antes que Steve pudesse responder, ele continuou: — Quer dizer... Achei que havia magoado você, por isso fiquei... Receoso de me desculpar antes. — Steve sorriu sarcástico.

— É incrível como você acha que eu me importo — zombou o soldado, meneando a cabeça como se acabasse de ouvir a melhor piada. Tony estava tão absorto em seu próprio mundo ultimamente que havia se esquecido da dura realidade; Steve o odiava. Mais do que ele poderia entender ou explicar.

— Steve... — Tony tentou dizer, mas Steve apenas virou as costas e começou a caminhar para fora do laboratório.

Antes que ele pudesse sair, Stark decidiu que era hora de pôr à prova seu repentino sentimento pelo Capitão. Em um movimento brusco, agarrou o braço musculoso do soldado e virou-o de frente pra ele. Steve estava tão confuso que sequer viu tempo de recusar o beijo que Tony depositava em seus lábios... E a primeira reação que o Capitão teve foi estranhamente agarrar com firmeza a cintura de Stark e beijá-lo de volta, tão desejoso e sedento quanto.

As mãos de Tony viajaram pelos cabelos loiros de Steve enquanto bagunçavam-nos fazendo-lhes carinho. A língua dos dois dançava em perfeita sintonia, vez ou outra explorando mais a boca um do outro. Mas Stark queria mais.

As mãos do gênio desceram vagarosamente pelas costas definidas do Capitão, empurrando seu corpo contra uma das mesas do laboratório. O ar já se fazia escasso e logo eles se separaram, olhos vidrados um no outro. Os lábios de ambos estavam vermelhos, úmidos e inchados pela voracidade com a qual se beijavam. Steve respirava rápido e continuava em silêncio, ainda repousando suas mãos sobre a cintura de Tony.

Antes que Stark pudesse voltar a beijá-lo, contudo, Steve rapidamente afastou-se de seus braços e saiu a passos rápidos do laboratório, não dando tempo do gênio dizer uma palavra. Aquela atitude não tinha aspectos de que levaria a atitudes melhores vindas de Steve, mas Tony esperava que a situação não ficasse pior do que já estava.

Talvez ele pudesse se preocupar depois. Agora só iria continuar seus projetos interrompidos de dois dias atrás. Steve podia esperar.

A vida podia esperar.

CIRCUMSTANCES | 𝘀𝘁𝗼𝗻𝘆Onde histórias criam vida. Descubra agora