Cap 1

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Capítulo 1

Algumas coisas estão escritas para acontecer e por mais que se esquive, os olhares se cruzam, os sorrisos se tocam e mesmo que o coração não saiba naquele instante, o dia para se amar está marcado para acontecer.

Helena

Londres, 1801

Olhei para o lado e tentei endireitar a coluna. Não que eu estivesse em uma posição que me arruinaria, mas minha mãe acharia que sim.
"Helena, endireite esta coluna. Nenhum homem na face da terra te achará desejável e adequada como esposa se você se portar dessa maneira..." "Helena, você come em demasia, parece um cavaleiro..." "Helena, você ri absurdamente alto..." "Helena..."
Eu sempre era inadequada, segundo minha mãe, para seus próprios propósitos. Nunca concordei, porem sendo rejeitada nas últimas duas temporadas, comecei a pensar o contrário.
Depois de passar todos os bailes sentada, esperando por horas e com a caderneta de danças vazia, eu tive certeza: seria solteirona e teria que aguentar minha mãe pelo resto da vida me dizendo o quanto eu era inadequada e como eu dava gastos excessivo com vestidos que nunca seriam admirados.
Nesta noite, o de cor creme, delicado feito em seda francesa, ornamentado por fitas e flores de tecido, talvez realmente não pagasse o investimento, como afirmaria meu pai horas mais tarde.
Este era o primeiro baile oferecido em Londres na minha terceira temporada e minha falta de postura condizia com meu desanimo. Estava enjoada de ficar escutando os comentários deselegantes das amigas da minha mãe. Estava farta dos olhares de pena das minhas amigas que já estavam casadas e com os filhos no colo. Estava irritada com tudo e odiava o mundo e o que a sociedade me reservava.
Este baile tinha um convidado especial que deveria chegar em breve e os comentários sobre ele também me irritavam. Ele era comparado a um Deus. Tudo porque, segundo as línguas fofoqueira, ele, o Duque de Misternham, escolheria uma esposa nesta temporada.
Eu sei, ele era um Duque, herdeiro de uns dos ducados mais antigos da Inglaterra. Contudo Deus? Ele era um ser humano, como todos os outros, que deveria sentir cócegas como eu e se alimentar como todo mortal. Além do que se dizia, que ele já tinha levado metade da população feminina de Londres para a perdição. Destruindo casamentos, desonrado moças inocentes e levado homens a duelaram com ele pelo menos uma vez por semana. Então, como ele poderia ser comparado a um Deus? Um homem tão mal e cheio de defeitos? Não sabia a resposta. Eu só tinha uma certeza: não olharia para ele e nem me atreveria a cruzar seu caminho. Não que ele fosse me notar, obviamente, não tinha grandes expectativas quanto aquilo.
Comei a sorrir, imaginado se ele não aparecesse. Todo mundo estava esperando, idealizando o momento que ele entrasse no salão. E eu, imaginando se chegaria ao final do baile e ele não comparecesse, o que realmente poderia acontecer. As caras pregueadas e murchas de todas as mães que sonharam com esse momento, em que suas filhas poderiam ao menos arrancar um suspiro do Duque.
Oh céus! Eu ia ter outra crise de risos. Segurei os lábios apertados e fechei os olhos, controlando a respiração. Minha mãe não me perdoaria por isso. A última crise foi na mesa de jantar do Bulivers, a família mais tradicional de Londres. O pensamento me trouxe outra ânsia e não aguentei. Explodi em gargalhadas que ecoaram pelo salão.
Tentando me controlar, pisei na ponta do meu pé direito, com a ajuda do esquerdo. A dor deveria ser suficiente para me fazer chorar ao invés de rir. Entretanto, então, deparei-me com um vazio no lugar onde deveria estar meu dedão. Eu sempre tive todos os outros dedos do pé, muito maior que o dedão. Meu pé, era uma aberração. Meu irmão sempre dizia, que quando um homem se casasse comigo e visse meu pé, me devolveria no mesmo instante. Então outro espasmo e outras gargalhadas.
Procurei minha mãe pelo salão. Com toda certeza, assim que visse seu olhar feroz, eu me acalmaria. A encontrei rapidamente conversando com algumas senhoras respeitadas e contatei que seu olhar não era dos melhores. Já o seu vestido, cor de abacate, não tinha lhe caído nada bem. Céus, se continuasse rindo dessa forma, não me casaria em nenhuma temporada e, c
om toda certeza, minha temporada estava encerrada esta noite. Meu pai me colocaria de castigo no quarto, trancada, até a morte.
- A senhorita, está bem? - escutei uma voz grossa, única e perfeita para os meus ouvidos.
Antes mesmo que levantasse os olhos, eu já tinha parado de rir e minha pele estava arrepiada. E era, só uma voz!
Antes mesmo de olhar, eu já sabia quem poderia ser dono daquilo, sua fama era iminente. Sua postura e seus modos podiam ser reconhecidos por todos e mesmo se eu nunca pudesse ter colocado meus olhos nele na vida, eu já sabia:
Duque de Misternham.
O novo Deus de Londres;
O devorador de damas inocentes;
o destruidor de lares e os outros títulos eu não consegui mentalizar na hora...
Oh Deus! Se sua voz já assim...
Dei uma olhada nele e encontrei um par de olhos verdes, mas que se olhassem nas profundezas poderiam ser confundidos com o céu azul celeste. Os cabelos mais negros que já tinha visto e o corpo mais... mais...
Sim, ele era um Deus da beleza e me senti incapaz de respirar só de vê-lo.
Me odiei e o odiei. Como alguém poderia fazer isso com o ser humano e se divertir com aquilo? Era visível um sorriso nos seus lábios. Ele estava se divertindo com o meu constrangimento. E não era qualquer sorriso. Era um sorriso pervertido e dissimulado.
Senti minhas bochechas queimarem e me lembrei que deveria estender minha mão para o cumprimento, já que ele esperava por isso.
Na verdade, ele nem deveria estar falando comigo, já que não tínhamos sido apresentados. Definitivamente ele gostava de arruinar jovens inocentes.
Como teimosia sempre foi o meu forte, não dei o gosto de o cumprimentar. Não porque corresse o risco de ser um escândalo. O simples fato de eu respirar já o era. Eu só não me renderia aos seus encantos. Meu corpo já o tinha feito, porém eu morreria a idolatrar um homem terrível como ele.
- Estou ótima! - respondi quando me achei capaz de falar - Estou rindo. Isso deve ser um bom sinal.
- Não está mais rindo, Senhorita. Suas bochechas estão coradas, no entanto, seu sorriso se aplacou. O tom dos seus lábios combina perfeitamente com sua pele nesse momento.
Abri a boca, inconformada com suas palavras indecentes. Eu queria dizer como ele era inadequado, arrogante e presunçoso, mas tudo que conseguia fazer era abrir a boca sem parar, feito uma vespa. Eu nem sei se vespas tinham bocas e se a abriam. Minha capacidade de raciocinar estava indo embora, junto com minha paciência.
- Me concederia uma dança na sua caderneta? - ele perguntou estendendo as mãos.
- Nunca! Minhas danças estão todas prometidas aos verdadeiros cavalheiros presentes no salão.
- Então, não se deve mais ter cavalheiros em Londres, já que aposto toda minha fortuna que a sua está em branco. Ninguém te convidou para dançar, Lady.
E sem mais nenhuma palavra ele se foi, me deixando com a sensação de ser a garota mais idiota de toda a Inglaterra. Definitivamente, eu me sentia uma vespa, um inseto que foi esmagado por ele e por toda a sua arrogância.

O dia em que te amei (degustação )Onde histórias criam vida. Descubra agora