Helsingborg

12 0 0
                                    

A rua não tem semáforo, nem faixa de pedestres. O centro da cidade é bastante movimentado, ainda mais nas épocas de frio, quando pegar ônibus lotados e enfrentar filas para pagar contas não parecem punições tão grandes por parte de Deus.

Olho para a esquerda. Árvores, mas nenhum carro vindo.

Na pequena cidade portuária de Helsingborg, que não é tão pequena, bancos, praças, mercados, restaurantes, sorveterias, lojas de roupa, edifícios, fábricas, estações de trem, hospitais, escolas, igrejas, bares, lanchonetes, pontos turísticos, serralherias - e tudo o que um ser humano possa precisar para viver e sobreviver - ficam no centro da cidade. Todos os ônibus têm o mesmo destino, só não têm a mesma origem.

Olho para a direita. Há uma mulher loira de cabelo curto sentada em um banco de praça, com um cachorro numa coleira, mas nenhum carro.

- Bom dia, querida. - Ela me cumprimenta, e seus lábios pintados de roxo escuro desenham um sorriso. Espera, não sou sua querida.

Atravesso. Quando passo pela mulher, ela me cumprimenta. Já a vi antes, sempre sozinha no mesmo banco de praça, às mesmas 10:30 da manhã, todos os dias sem exceção, ao que parece.

- Bom dia - sorrio para ela e continuo meu caminho, enquanto ela volta a atenção para seus pensamentos.

Dentre tudo o que Helsingborg tem a oferecer, estou mesmo é indo para a estação de trem, que não fica longe de casa. Para dar uma ligeira explicação, eu moro perto de um porto de balsas, ou seja, bem no litoral, e a apenas vinte minutos a pé fica a estação de trem que me levará ao município vizinho, Ödåkra, aonde vou todos os dias para trabalhar.

Chego à estação, que é também um ponto de ônibus e (mais) um porto de balsas. Estou sozinha, sentada, esperando. Está frio, e meu nariz pode sangrar a qualquer momento, por isso carrego sempre lenços em minha bolsa.

Hoje meu nariz resolveu me dar uma trégua.

Sentada num banco duro para uma breve viagem de 15 minutos, penso em minha vida.

Sou solteira e nunca namorei. O mais perto que cheguei de ter um relacionamento sério com alguém foi quando saí com um amigo meu para jantar, e nós nos beijamos no final da noite, porém estávamos ambos bêbados. Ele nunca mais falou comigo depois daquilo - talvez porque ele namorasse há oito meses quando me beijou.

Apesar disso, sou feliz. Vivo sozinha, mas, eba, menos despesas. Além disso posso andar do jeito que eu quiser pela casa. Posso comprar a comida que eu quiser, sem ter alguém com quem dividir, e vez ou outra chamo uma amiga da faculdade para vir aqui em casa, apesar de ter parado de estudar.

Se você mora em uma cidade portuária, dificilmente vai escapar de trabalhar com peixes ou barcos, ou peixes e barcos. Mas eu escapei, porque trabalho na Biblioteca de Ödåkra. Faço o catálogo dos livros, um por um, escrevo uma ficha, contendo título, autor, data e local de lançamento, o tradutor, a editora, o número da edição, o número de páginas e outras características que acho que só nossa biblioteca pede, como tipo de papel, grossura da página, cor da página, entre outras coisas que não são importantes o suficiente para serem citadas, tipo o ISBN - alguém lá sabe o que é isso?

Tenho 23 anos, mas pareço ser uns quatro anos mais jovem graças aos meus "olhos de criança", como minha mãe diz. Quando estava na escola aqui mesmo em Ödåkra, eu fugia das aulas (principalmente de religião e biologia, matérias das quais guardo traumas até hoje) e vinha escondida até essa biblioteca, por isso sempre sonhei em trabalhar cercada pelos meus velhos amigos de infância.

MirrorOnde histórias criam vida. Descubra agora