O gosto forte da menta me faz lacrimejar. Já disse que cheiros fortes não são gentis com meu nariz, não? Pois bem, estou lacrimejando e meu nariz está sangrando. Talvez não tenha sido uma boa ideia colocar cinco balas de menta na boca de uma só vez. Não, definitivamente não foi uma boa ideia. Mal consigo fechar a boca. A saliva começa a escorrer em menos de dez segundos.
Lágrimas, sangue, saliva. Sem dúvida, uma mistura nojenta.
Enfio um lenço em cada narina e continuo a leitura. Não consigo me concentrar. Minha série de crimes tem dominado meus pensamentos. A pior parte disso tudo é pensar no que eu poderia ter feito de diferente. Se eu não tivesse visto a caixa, se eu não tivesse perdido o ônibus, se eu não tivesse tido insônia, se eu não tivesse me esquecido do bilhete, se eu não tivesse mentido para Karin, nada disso teria acontecido.
Por outro lado, como alguém esquece algo tão lindo, tão bem feito, tão misterioso e provavelmente tão caro na biblioteca? E, mesmo que esqueça, por que não se dá conta de ter perdido? Fico imaginando quem foi que comprou, e minha história improvisada começa a fazer sentido. Talvez eu não minta tão mal assim.
Penso no objeto jogado dentro de minha bolsa, sufocado por alicate, acetona, minha carteira, chaves, documentos, celular, o resto das balas de hortelã - na verdade, só a embalagem - e outros objetos que apenas fazem figuração, mas não são realmente usados, e desejo não tê-lo percebido. Talvez eu deva deixá-lo na biblioteca e fazer de conta que o "dono" esqueceu-o de novo. Afinal, após 45 dias ele será jogado fora, como todos os objetos que não são de vestir, pois estes são doados para instituições de caridade. Mas por outro lado, se forem mesmo jogar fora, eu fico com ele. Mas por outro outro lado, se eu levar, e o dono aparecer, eu perco o emprego, a integridade e o apreço das pessoas - eu tenho isso? E por outro outro outro lado ainda, não quero decepcionar Karin. Não de novo.
Percebo que passei os olhos por seis páginas sem dar-lhes a menor atenção. Talvez tenha viajado um pouco. Volto algumas páginas e tento me distrair.
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Eu dormi.
Por três horas.
Eu estava lendo, mas quando me dei conta, Karin balançava meu ombro. Meu primeiro pensamento foi que seria demitida, mas nem mesmo quando deixei a porta destrancada a noite toda isso aconteceu. Minha chefe sempre foi compreensiva comigo.
- Está passando mal? - ela pergunta, sua voz um tanto ininteligível.
Tudo o que eu quero é um banho, mas tudo o que eu tenho é desgosto. Ela me balança mais algumas vezes, e enfim a respondo: - Hãn?
Ela ri um pouco da minha situação e me dispensa, dizendo que dá conta do trabalho sozinha. Aliás, Solveig deve estar doente, porque apareceu por aqui hoje. Não que ele seja de grande ajuda, mas se você pressiona um pouco, ele sai da zona de conforto só para parar de ser pressionado.
A mesma coisa já não funciona com Mikaela. Quando pressionada, ela faz duas vezes pior só para mostrar que ninguém manda nela. Com esse tipo de pessoa, o que funciona é a psicologia reversa: diga a ela que não consegue e veja como trabalha movida pelo orgulho.
Já eu não preciso de estímulo ou desafio. Trabalho com bom gosto, porque se quero ser reconhecida preciso trabalhar para isso, e eu quero ser reconhecida. Talvez seja meu lado egoísta que gosta de chamar atenção e ter atenção, mas este não é o foco. O fato é: sou uma empregada maravilhosa.
Pisco os olhos devagar e bocejo. Então tenho uma segunda quase-parada cardíaca. Afasto a cadeira da mesa e olho para o livro, 78% concluído. Está limpo. Não babei nele, e também não o manchei com sangue de nariz, e nem com essência de limão dos lenços umedecidos do nariz, e nem com bala de menta, que eu provavelmente engoli, mas sinceramente não me lembro de ter feito.
Karin se assustou com a minha reação. "Eu vou acabar matando essa velha algum dia", penso. Sorrio um sorriso cansado para ela, desta vez menos cansado do que realmente estou, e digo algo tão automaticamente que não consigo perceber o que disse. Ela diz algo em resposta, põe a mão no meu ombro e sai.
Passo as mãos pelo cabelo. Não penteio há semanas, hábito que trago desde a infância. Quando completei meus 10 anos, se não antes, percebi que cabelo liso não foi feito para ser penteado porque simplesmente não embolava. E se embolava, era só prender num rabo de cavalo, ou num coque e andar um pouco mais rápido para ninguém perceber possíveis defeitos. As únicas ocasiões em que era obrigada a penteá-lo eram: A) para eventos importantes, como aniversários, casamentos, festas, ou fotos; B) quando eu entrava em alguma piscina, por causa do cloro, e C) quando eu brincava de Barbie com as minhas amigas, porque criança é retardada.
Arrumo o cabelo e bocejo. Ai que vontade de dormir...
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Mirror
Horror"Fechei os olhos e gritei o mais alto que consegui, mas meu reflexo no espelho ainda olhava para mim."