Ödåkra

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Observo a caixa sobre a mesa. É verde, com detalhes brancos. Talvez tenha se aventurado no armário de materiais de limpeza, com o alvejante, ou com produtos para unha como acetona, apesar de essa ser apenas uma das funções da acetona.

A tampa da caixa é verde, e faz um barulho legal quando abre - tuc -, e um mais legal ainda quando fecha - tec, apesar de às vezes fazer toc.

Minha caixa de lenços umedecidos com cheiro de limão. Antes o cheiro era de lavanda, e a caixa era roxa, mas meu nariz se irrita facilmente com cheiros doces e fortes - lavanda, camomila, morango, perfumes femininos, xampu de bebê, goiaba madura... -, então a dei de presente para uma senhora (vulgo tia, vulgo chefe).

Abro a tampa - tuc -, que ainda resiste admiravelmente, e por um momento penso em deixá-la vencer, apenas pela sua incrível demonstração de bravura, mas em situações críticas a misericórdia não é uma opção.

- Me desculpe, dona caixa - digo a mim mesma -, mas não foi dessa vez.

Puxo um lenço, e fecho a tampa - tec. Levo-o até meu nariz, porque o infeliz está menstruado, coitado. O contato do lenço com minha pele parece torná-la seca, grudenta, mas nada que possa ser ignorado, não é mesmo?

O sangue começa a ser absorvido pelo lenço, e em poucos segundos parece que nunca houve sangue naquele local. Em seguida, dou um nó nele. Pouso a mão ao lado do livro, aberto na página 247, quase o fim... Talvez três quartos do livro... Ou cinco sextos... Mais provavelmente sete nonos.

Se estivesse em casa, teria lavado o rosto, mas estou trabalhando. "Trabalhando". Estou lendo, o que pode ser considerado um trabalho, uma vez que o trabalho é sagrado. Enfim, estou na biblioteca, e o banheiro fica a três lances de escada (o que deve dar 66 degraus) de onde eu estou, mas talvez isso exija tempo demais - e demais é tudo o que eu não tenho na vida.

Encaro a lixeira do outro lado da sala. Durante sete meses, ela tirou onda com a minha cara, porque quando lenços ou bolas de papel amassadas estavam indo na trajetória da boca da lixeira, ela parecia se desviar sozinha (quando minha chefe ficou sabendo disso, ela falou que eu é que não quero assumir a culpa, mas eu ainda quero chamar um exorcista). Porém houve uma reviravolta! Eu descobri o ponto fraco dela: a parede. E, quando isso aconteceu, ela parou de se mover - apesar de às vezes ela ainda desviar do meu caminho.

Atiro o lenço para frente e para cima com toda a força. Ele bate na parede acima da lixeira e desliza suavemente para baixo, até atingir o alvo.

(Peço perdão pelo uso excessivo da palavra "lenço" nos últimos parágrafos, mas não existe um sinônimo para tal palavra - não, lenço não é pano)

- Mais um trabalho bem feito. - Sorrio para mim mesma. Volto a atenção à vigésima sétima linha da ducentésima quadragésima sétima página do trigésimo terceiro livro da quarta estante do segundo andar.

É horário de almoço, e a biblioteca continua vazia. Nem sei por que isso abre antes de 12h30min, as primeiras pessoas entram por volta de uma da tarde... Mas eu mal trabalho mesmo, então tanto faz.

Fecho o livro e saio da sala. Minha bolsa vermelha descansa sobre a mesa da minha salinha (os dizeres "Escritório 2" na porta dão uma ideia um tanto quanto distante da realidade do local), e o sobretudo marrom está às costas de uma cadeira, abraçando-a e envolvendo-a. Sua ausência revela ao mundo o uniforme branco de gola verde, que combinam com minha calça jeans - para falar a verdade, camisa branca combina com tudo.

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