Mentiras

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Não voltei para casa. Aquele era o último ônibus.

Dei meia volta e subi a pequena ladeira em direção à biblioteca, quando senti algo em minha perna.

Gritei alto, e dei um pulo. Olhei para o lado a tempo de ver o gato pular atrás de um muro e sumir.

- Demônio! - brotaram algumas lágrimas nos meus olhos devido ao susto, mas elas sumiram rapidamente.

Encarei minha luva rosa, também de gatinho. Minha mão tremia, e eu respirei fundo várias vezes para me acalmar. Aquele gato passava pelo meu caminho com frequência, mas foi a primeira vez que se esfregou nas minhas pernas.

Continuei andando de volta à biblioteca, a passos largos, e coração agitado. Gato dos infernos.

Abri a porta, e entrei rapidamente. Rapidamente demais, bati a porta. Pedi desculpa a algum espírito que possa estar me escutando. Tranquei-a e entrei.

As janelas conferem claridade suficiente no primeiro andar. É o piso mais iluminado entre os três, porque tem seis janelas, enquanto o segundo tem quatro, e o terceiro, duas, mais a do meu escritório. Acontece que o primeiro andar é sempre o mais ocupado, enquanto ninguém usa o terceiro.

As paredes, levemente amareladas, parecem azuis: os vidros das janelas têm esse tom. Essa iluminação me faz lembrar algo mágico, infantil, até sobrenatural.

Minhas pupilas se dilatam, se adaptando à pouca luz. Gosto de pouca luz, gosto do escuro. Me sinto confortável no escuro. Realmente sinto, a luz natural, bem como a artificial, me deixa enérgica e agitada, o que me deixa exausta no fim do dia, por isso prefiro trabalhar com pouca luz, e minha casa está sempre com cortinas fechadas.

Na época em que morava com meus pais, ficava horas e horas em meu quarto, lendo, com janelas, cortinas e portas fechas, à luz fraca de uma lanterna. Eu tinha a estante cheia: não costumava comprar livros, mas eu ganhava de presente em datas comemorativas. Por ser a mais nova de quatro irmãos, sempre fui a mais mimada entre eles. Cinco livro de meus tios e tias, dois das avós, três dos irmãos, dois dos pais, um ou dois dos conhecidos, e mais alguns dos amigos dos meus pais que diziam ter me pego no colo quando eu era pequena. Eu costumava ganhar quarenta livros por ano, fora os que Karin me dava às vezes quando eu dizia que era meu aniversário.

Esse meu hábito nictomaníaco resultou em insuficiência de colecalciferol (vitamina D, mas chamo assim desde que decorei o nome), e tive que abandonar meus costumes vampíricos e passar parte de meus dias no quintal em frente à casa. Foi nesse período da vida que aprendi a conviver com o sol - conviver, não gostar.

Olho ao redor, procurando por ruídos. Nesse trabalho, formulei uma teoria: saber que um barulho deveria estar ali faz com que seu cérebro produza esse barulho para manter a normalidade das coisas. Ou seja, ao ver uma pessoa bater o mindinho na porta, seu cérebro automaticamente criará o som "Ai!", mesmo que ele não tenha sido dito. Logo, é mais eficiente procurar por barulhos com os olhos do que aguçando os ouvidos.

Não há nenhum finlandês no primeiro andar, ao que parece, e se houver não emitiu nenhum som.

Subo as escadas de um em um degrau, um dos meus maiores desafios ao chegar aqui era subir esses 66 degraus devagar para dar o bom exemplo, e agora, depois de três anos inteiros fazendo isso, não consigo subir correndo pelas escadas como gostaria.

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