Podia-se sentir o cheiro da violência ali. Tão doce que chegava a sufocar. Tão amargo que, ao ser provado, traria lágrimas aos seus olhos. O cheiro da violência permeava as chamas do incêndio e a correnteza daquele rio.
A Rússia era um país violento...
Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.
"A morte também deve ser merecida."
obs: este capítulo foi atualizado. caso você não note diferença, ou caso as imagens não identifiquem o capítulo sob o título de "grekh", retire o livro da biblioteca e adicione novamente. qualquer dúvida, só chamar ♥
Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.
A pequena escultura de madeira pesava nas mãos magras da garota como se fosse feita de chumbo ou cobre, pronta para arrastá-la para baixo. O ar na tenda improvisada era abafado e seus pulmões já não trabalhavam da mesma forma. O calor tornava sua pele febril e o suor ensopava o pijama que ela vestira na noite anterior, quando ainda estava a salvo.
Boa parcela de Khamovsk havia sido arrasada pela manhã, em uma guerrilha que estourara de forma abrupta. O bairro era agora uma bagunça de corpos, tendas médicas improvisadas e valas cheias. Rochas e canos, barro e ossos expostos. Diziam que um pequeno exército havia destruído o bairro. Anjos da morte com fuzis de assalto.
A polícia não ousara fazer uma incursão às áreas mais afetadas, ainda que seus helicópteros pairassem no céu. O som das hélices era bem diferente da canção de ninar de sua avó. Era feio e mau, como os arranjos de uma música que deu errado.
Uma pequena facção fizera uma tentativa audaciosa de invadir um carro-forte dias atrás. Ninguém sabia ao certo o que ele carregava. O que era de conhecimento geral, porém, era a contagem de corpos dos invasores. Sete. Sete homens alvejados. O veículo pertencia a um homem a quem chamavam Oswin. Um político.
Anara Niyazov não havia aprendido números o suficiente para calcular a quantidade das macas intermináveis que se estendiam por todas as direções: passava de sete, ela tinha certeza. O cheiro era de ferrugem e antisséptico. Não havia muitos medicamentos então, pois as levas de suprimentos haviam sido cortadas horas antes.
Sua babushka nunca a explicara de fato o que um político era, mas a palavra a fazia fechar a cara com frequência. Os olhos castanhos ficavam apertados, cheios de rugas aos cantos. A boca exibia uma carranca raivosa e ela cuspia palavras em uma língua diferente do russo que Ana conhecia.
Agora, vendo tamanha destruição, a menina passou a acreditar no que Sezim dizia. Assim como as outras crianças e idosos, Anara recebera um leito apenas para si. Os lençóis ao seu redor tinham manchas vermelhas de um ferimento em sua coxa.
A perda de sangue a deixara confusa e aérea; seus batimentos cardíacos estavam erráticos. Ela não queria morrer assim, com uma das mãos segurando uma estátua de Cristo e a outra pressionando o estômago vazio.
Temir havia prometido brincar com ela mais tarde. Ele havia construído muitos brinquedos para ela, esculpindo a madeira com as ferramentas da avó. Contudo, Ana vira o corpo de seu irmão sendo carregado para longe de si, coberto de sangue e poeira. Moscas o seguiam fielmente. Mas ele prometera! Ela quis gritar.
Lembrou-se de um antigo ditado que aprendera com Sezim e o repetiu, a voz ao meio fio e quase desaparecendo. Não confie na palavra dos mortos / pois já não há língua para dizê-las / não confie na palavra dos mortos / pois sua verdade jaz debaixo da terra, onde nós não ousamos cobrar.
O que a mulher não havia ensinado, porém, era que a morte levava mais do que palavras: roubava sentenças inteiras. Roubava plurais que Ana não sabia como deixar de usar. Não haveria mais nenhum "nós" enrolado em sua língua esperta. Todos os S haviam sido retirados de sua gramática em um piscar de seus olhos.
O nome Oswin rastejava nos cantos mais escuros de sua mente, como um pecado cantado em melodia incessante. Mate-o, mate-o, mate-o. Era uma criança com apetite assassino, cercada pelas mortes de sua família. Seu Cristo não se importaria caso ela cobrasse uma morte a mais, não é mesmo?
O céu de Khamovsk ainda estava coberto por cinzas quando ela adormeceu no leito, um sorriso brincando nos lábios pálidos. E, apesar da cor doentia das nuvens, aquelas eram as horas violetas – as violentas horas russas. Roxo da penitência, do poder, da piedade.
Mas Ana não seria piedosa. Não quando o sangue que escorrera dos lábios de seu irmão era ultravioleta.
Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.
Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.
Ops! Esta imagem não segue nossas diretrizes de conteúdo. Para continuar a publicação, tente removê-la ou carregar outra.