"Cante notas amargas para todo o estrago que fizemos e para o que ainda faremos. Existe uma radiante escuridão pousando sobre nós."
Havia terra embaixo de suas unhas e agulhas de grama pinicavam suas bochechas, lutando para se entremear à carne. Atka não estava exatamente acordada, mas já não podia afirmar que dormia também. Estava mergulhando no limite da consciência, mas sonhos não vinham com salva-vidas.
"Olha só o que temos aqui, garoto..." A voz a acordou. Estável e masculina. Um latido a seguiu, soando próximo ao seu ouvido. Ela sequer pensou: a memória muscular fez todo o trabalho.
Atka levantou-se rapidamente. Agarrou o homem com as mãos nuas antes que pudesse sequer olhar para seu rosto. Jogou-o no chão e cobriu o corpo dele com o seu, pressionando todas as partes certas para que ficasse sem fôlego. Costelas e garganta e estômago. Do jeito que aprendera.
Seus olhos estavam turvos e viam todas as coisas erradas. O homem gemeu debaixo de si e a dor ecoou para fora dos lábios desenhados. Sua mão esquerda traçou o contorno daquele pescoço e então o forçou para baixo, em direção à terra morna. Os joelhos pressionavam o estômago. Já matara homens assim antes.
Mas não mataria aquele.
"Atka" o homem murmurou, sem conseguir respirar. Seu nome era um pedido.
Os latidos ecoaram mais altos desta vez. Um borrão de cores surgiu em seu campo de visão. Marrom-chocolate e tons de ouro estavam aninhados no pelo brilhante do cão. Atka o conhecia. Conhecia a ambos.
Ela piscou. Uma, três, sete vezes. Balançou a cabeça para se livrar dos últimos flashes maldosos de seus pesadelos. Bloqueou os pensamentos sobre as águas do rio Volga e sobre o corpo desmembrado que vira. Seus olhos já não estavam cegos então.
Era Teris quem estava ali, o corpo aninhado embaixo do seu. Atka reconheceu o amigo: sua pele negra beijada pelo sol, seus cachos curvados sobre tons de caramelo, seus olhos verde-hortelã – tão gentis que a feriam de tempos em tempos – e a pinta acima do queixo. Era Teris.
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Ultravioleta
Mystery / ThrillerPodia-se sentir o cheiro da violência ali. Tão doce que chegava a sufocar. Tão amargo que, ao ser provado, traria lágrimas aos seus olhos. O cheiro da violência permeava as chamas do incêndio e a correnteza daquele rio. A Rússia era um país violento...