Capítulo 2

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A fila avança tortuosamente, como hábito. Depois de trinta minutos, um dos funcionários do Departamento Nacional de Segurança dos Transportes do aeroporto acena para mim.

Segura o meu documento e dá um sorriso afetado.

- Tem certeza que é você?

- Tenho.- Forço um sorriso. Aquela foto não é o meu momento de maior orgulho: cabelos róseos despenteados, olhos vermelhos, pele pálida do que bumbum de neném. Não se parece muito com o meu eu de agora: cabelos róseos que urgentemente precisam ser retocados, olhos verdes sem nenhuma marca de choro e com uma pele não tão pálida.

- Tudo bem- diz ele, devolvendo-o para mim- pode seguir

Pego meu documento e vou para a ala mais próxima. Uma família de seis pessoas se espreme bem na minha frente, fazendo malabarismos com mochilas da Disney.

Cinco intermináveis minutos depois, estou na máquina de raio X, aguardando o veredicto descalça, braços ao lado do corpo.

-Passe- diz a mulher,com o entusiasmo que se poderia esperar de uma pessoa que já disse isso mil vezes hoje.

Corro até o portão, um pouco estressada, mas não enlouquecida.

Esqueço o jantar, apesar disso. Passo apressada em frente a uma lojinha de soverte de iogurte com um vazio no estômago.

A questão é: eu poderia ter evitado tudo isso; poderia estar no horário, relaxada, desfrutando de um jantar decente antes do voo. Suigetsu Hozuki me ofereceu uma carona para o aeroporto depois do treino de hoje de manhã. o que para mim foi um choque, porque alunos do último ano não costumam falar com garotas do segundo ano-sobretudo garotas do segundo ano que não são um fenômeno na piscina.

porém, não me perguntei muito sobre isso. Uma carona com o capitão ? eu disse sim.

Meu entusiasmo diminuiu quando Suigetsu parou o carro na frente do meu dormitório com Sasuke Uchiha no banco da frente. Sasuke Uchiha: sério, tranquilo e assustadoramente talentoso. Eu tinha evitado Sasuke desde o primeiro ano, e só de pensar em tentar explicar o motivo a Suigetsu...

Então eu caí fora. Minha desculpa nem sequer fez sentido- algo sobre enjoo ao andar de carro e música country. Suigetsu não se importou, mas Sasuke percebeu. Ele sempre percebe.

Como um sinal, Sasuke sai da fila do Starbucks no momento em que eu estou virando a esquina. Quem toma café antes de um voo noturno? Ele agradece ao barista e corre até o portão.

Claramente, ele é o ultimo a embarcar. Bem,o penúltimo. Por que ele esperou tanto tempo? Tomara que não estivesse me esperando aparecer. Suigetsu sabia que estávamos todos no mesmo voo para Boston, e Sasuke tem um estranho senso de responsabilidade em relação a ele.

É provável que ele pense que estou atrasada por causa dele. O que é verdade, mas ele nunca vai saber.

Vou dar um minuto e embarcar imediatamente antes de fecharem as portas. Tenho esperança de que ele esteja sentado em algum lugar na parte de trás. Algum espertinho marcou meu assento na fileira da saída de emergência, e aposto que Sasuke escolheu a opção mais barata.

A funcionária no portão, admirada com seu tamanho e sua careca lisa, escaneia o cartão de embarque. E consegue dizer um sincero "bom voo".

Quando ouço a última chamada para o embarque, começo a me movimentar. O terminal parece subjugado enquanto os ponteiros do relógio se arrastam em direção á meia-noite. Amanhã, véspera do dia de ação de graças, o caos irá florescer outra vez.

A funcionária no portão me oferece um sorriso de atendimento ao cliente forçado e vazio.

- Bom voo- diz. Ela está cansada; eu estou cansada. Tenho evitado o desastre com Sasuke Uchiha, e agora quero apenas chegar lá.

Assim que viro no corredor , aporta da cabine se escancara para mim. A comissaria de bordo me cumprimenta com um animado "Bem-vinda!". Não parece estar perturbada porque eu cheguei tarde, mas os passageiros da primeira classe, sim. Eles esfregam toalhas quentes nas mãos e me fulminam com os olhos. Eu me apresso, passando por aquelas fileiras cobiçadas, e entro no espaço exíguo conhecido como classe econômica. Suigetsu está em um dos assentos da primeira fileira. Ele dá uma piscada, e eu sorrio de volta.

- Você conseguiu - diz ele.

-Nem sei como.

-Um inferno, né?- Ele aponta para o caos se formando atrás dele.

-De um tipo especial- digo, tentando ser engraçada.

Ele concorda com um aceno de cabeça e volta a assistir a um programa esportivo em seu iPad. Não foi a melhor das interações, mas pelo menos ele me reconheceu. Eu estava preocupada que ele nunca mais falasse comigo depois do fiasco da carona.

Depois de uma breve pesquisada nos rostos desconhecidos, baixo o olhar e vou em frente. Dez...onze...doze...12F. Na janela. Não é a primeira classe,mas também não é 32B. Paro e ergo o olhar. A primeira tarefa é identificar as crianças nas proximidades: as crianças são ruins, e as crianças pequenas um pesadelo. Há duas nos últimos assentos nas fileiras diretamente atrás de mim. O garotinho no 13E exibe uma camiseta de beisebol, e o do 14F está usando uma camisa indiana muito pequena. Outro menino, talvez de seis ou sete anos, sentado na fileira 15, se distrai com os eletrônicos do pai. Isso é um bom sinal. Só espero que os meninos mais novos durmam durante o voo inteiro.

A única pessoa na minha fileira é um cara de terno, de uns quarenta anos. Ele está no celular, dando ordens para algum pobre estagiário terminar o trabalho administrativo antes do feriado. O homem parece que não dá um sorriso há trinta anos. Fico feliz por estarmos juntos, apesar de tudo. Ele não parece ser o tipo que conversa. Manobro passando pelas pernas deles e me ajeito no cobiçado assento da janela. A persiana está levantada, revelando a extravagancia noturna do Aeroporto Internacional de São Francisco e do horizonte de Oakland a distancia.

-Com licença.

A comissaria de bordo se inclina na minha fileira, mas o meu olhar não se demora nela;ele se desloca para o rapaz de 1,95 metro ao lado dela. Sasuke.

-Este senhor vai se juntar você na fileira da saída de emergência.

Sasuke murmura um obrigado para a comissaria de bordo e se desloca desajeitado para o temido assento do meio. Suas pernas são longas e ele provavelmente as usou para barganhar um lugar na seção mais espaçosa. Uma onda de irritação me invade. Com certeza ele planejou isso - me viu sentar nesse lugar, em seguida inventou uma desculpa sobre suas pernas serem longas demais para o 32B ou onde quer que ele deveria estar.

Enquanto Sasuke se acomodava, fiz questão de vasculhar minha bolsa. Notebook, leitor digital, canetas, uma touca rasgada.

Notebook. Perfeito. Coloco os fones de ouvido e o ligo, mas a bateria se foi. Como isso aconteceu? Pego o celular. Há apenas uma música armazenada no disco rígido, e é uma amostra da companhia telefônica, mas vai ter de servir.

Até agora, tudo bem. Sasuke estica as pernas compridas e encosta os cotovelos no corpo. Desliza a mão enorme sobre os fios negros e rebeldes ao mesmo tempo que alcança o livro Grandes esperanças, com orelhas para marcar as páginas. Embora eu esteja fazendo o meu melhor para olhar para outro lugar, não posso deixar de notar o pedido escrito á mão para devolver o livro, se for encontrado, com o nome de Sasuke e um endereço de Dorchester rabiscado na capa interna. Resisto ao impulso de perguntar: Você é de Dorchester ? Quando nos conhecemos , há mais de um ano, ele me disse que era de Boston. O que não é uma mentira, mas Boston faz a gente pensar em clubes de campo e famílias endinheiradas; Dorchester significa que você provavelmente aprendeu a nadar em uma piscina comunitária.

É melhor agir de forma desinteressada que as horas vão passar.

Quando pousarmos, cada um segue o seu caminho.

As luzes diminuem, os pneus se movem de repente, e o avião ronca lá atrás. Ligo a música no máximo. Lenta, pacificamente, os sons do avião se desvanecem em um zumbido abafado. Fecho os olhos. Em seis horas, vou estar em casa.

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