Capítulo 3 - A misteriosa descoberta

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   -Pùpi...Mùmi? -chamou a menina, com uma ruga na testa.
   Nenhuma resposta . Marissol engoliu em seco. O sol havia se posto de vez e um ventinho gelado soprava do bosque. As primeiras estrelas piscavam, e as sombras se encompridavam dentro do casarão . De repente, Marissol teve a sensação de que alguém a estava espiando pelas costas. Por isso, sem coragem de olhar para trás , ventou-se para a frente, aos gritos , chamando os pais.
      Quando chegou à sala, teve a impressão de ver uma sombra que fugia para os fundos. Marissol saiu para o terraço, desceu a escada até sem ver os degraus e , naquela corrida apavorada, caiu nos braços de alguém.
    -Socoooooorro! - gritou, morrendo de medo.
   -Filha,o que foi? - perguntou Élvio, que a abraçava. -Por que você está gritando?
    Ao perceber que aqueles braços eram de seu pai, Marissol sorriu amarelo.
    -E-eu...acho que f-fiquei um    p-pouco a-assustada...
   -Melhor você parar com essas brincadeiras de esconder - observou a mãe, aproximando-se com passos rápidos. - Por que nos chamou ao jardim e, agora, sai correndo de dentro de casa?
   -Eu não chamei vocês do  jardim! - protestou Marissol. - Eu saí mesmo correndo de dentro de casa e foi de lá que chamei vocês!
  -Ora, não invente coisas! - reprovou Eliete. -Você nos chamou, e ouvimos claramente, não foi, Élvio?
  - Claro , filhinha, nós ouvimos!
  -Eu não chamei ninguém! - insistiu a menina , zangada. - Eu estava lá, olhando para o bosque, depois entrei pela cozinha, atravessei a sala e saí aqui. Não poderia estar em dois lugares ao mesmo tempo: lá e no jardim!
     Eliete olhou para o marido e suspirou. Élvio pôs a mão no ombro da filha.
    - Está bem, vamos mudar de assunto. Acho que estamos um pouco assustados porque a casa é nova e, além disso, seu Fumiko foi falar naquela bobagem de o fantasma de seu Isaltino vir tomar café na cozinha. Que piada! Vocês não acham que seria uma boa se comprassemos uma casa que tivesse um fantasma de verdade? Os ingleses iriam morrer de inveja de nós!
    Eliete fuzilou o marido com um olhar:
    - Deixe de falar bobagens que já estou me sentindo mal dentro desta casa, Élvio! Agora chega! Vamos tomar um banho e comer alguma coisa.
      Enquanto a mãe preparava o jantar, Marissol tomou um banho no banheiro de arco-íris, que, agora, podia examinar melhor. Havia uma banheira de ferro, esmaltada, e um chuveiro em cima. Os azulejos eram antiquíssimos, com campânulas azuis. Enquanto tomava banho, Marissol pensava em quantas pessoas teriam vivido naquele casarão. Quantas vidas teriam passado por ali? E quantos teriam... morrido lá?
     Ao pensar nesse detalhe, arrepiou-se. Então, desligou o chuveiro, enxugou-se, vestiu-se depressa e saiu. O pai estava saindo do outro banheiro, também de banho tomado, e a mesa estava posta. Foi, então, a vez de Eliete tomar um bom banho e, depois, jantar.
    Todos os móveis da casa eram antigos como os do quarto. O armário da sala chegava até o teto e as cadeiras eram tão pesadas que quase não se podia movê-las. Havia lustres de cristal, cortinas grossas e quadros a óleo. Tudo de uma seriedade impressionante!
      De repente o relógio bateu dez badaladas.
     - As horas voaram! - disse Eliete. - Estou com sono, quero ir para a cama. Marissol,  você insiste mesmo em ficar no quartão?
     Marissol não queria dar o braço a torcer nem confessar que estava com um leve receio.
     - Claro, mamãe. Não há perigo. Prometo que dormirei sossegadìssima.
      - Está bem, filhinha. Se você insiste...
       Cinco minutos depois estava Marissol no quartão, cuja porta, por mera cautela, trancou e nela encostou um criado-mudo. Depois, deu uma olhada a toda a volta.
    -Cruzes! - murmurou. - Parece que vou dormir em um museu!
     Para se distrair, depois de vestir a camisola começou a examinar melhor todos os móveis. O baú estava vazio. Dentro do guarda-roupa, suas roupas quase desapareciam. Então, foi mexer na cômoda. Quando abriu a gaveta de cima, o puxão foi forte demais, e a gaveta caiu, quase machucando-lhe o pé. Marissol já ia dizendo um palavrão, quando viu que havia um papel grudado no fundo da gaveta que tinha caído virada com o tampo para cima. Era um papelão grosso e amarelado. Curiosa, a menina se abaixou e, devagar, descolou-lhe as bordas. Para sua surpresa, viu que ele escondia umas folhas escritas a mão e...
     - Uma fotografia! - murmurou, arregalando os olhos.
      Sim, era a fotografia de um rapaz moreno, de cabelos encaracolados, nariz benfeito e olhos negros. Belíssimo! Tinha uma expressão que ela não sabia dizer se era de tristeza...ou de maldade. O olhar parecia hipnotizar Marissol, que precisou fazer um grande esforço para virar a fotografia e ver o que havia do outro lado. Estava escrito: "Príncipe, mesmo que eu esteja no outro mundo, meu amor será eternamente seu. Verônica ".
    - Meu Deus!
    Mais que depressa, Marissol correu os olhos por aquelas páginas amareladas. A letra era redonda, caprichada e estavam todas assinadas com o nome de Verônica. Marissol olhou a data e fez os cálculos:as folhas haviam sido escritas exatamente cinquenta e cinco anos antes!
      Com o coração batendo forte, Marissol sentou-se na cama e começou a ler a primeira folha:
       "Meu querido Príncipe: aqui estou, a sua princesa, morta para o mundo. Hoje, o dia amanheceu brumoso, pois parece que até o céu sentiu o que aconteceu. Fechando os olhos, vejo você ainda sorrindo para mim e correndo em direção ao rio. Oh! Meu Príncipe, quanto meu coração sofreu quando o vi desaparecer na curva do caminho! Como eu pressentia! Quando Abelardo chegou gritando, meu coração se encolheu. Meu Príncipe, quanto sofri! Agora, pareço estar vendo você deitado em sua mortalha de rosas vermelhas, as rosas que plantamos juntos, lembra-se? Depois, eles levaram você embora para sempre, cobriram-no com a terra fria... Hoje, voltando da cidade, vi o rio mentiroso e traiçoeiro. Oh! Meu Príncipe, juro que não haverá repouso para a minha alma enquanto não estivermos juntos, aqui ou na eternidade. Para sempre! "
      Os olhos de Marissol encheram-se de lágrimas. Deu uma fungada e voltou a olhar para a fotografia, quando ouviu um barulho vindo da janela. Vinha do lado de fora. A menina ficou gelada. Que barulho era aquele? Pareciam garras raspando, como se alguma coisa horrível estivesse fazendo força para entrar.

O príncipe fantasma - Ganymédes José/Teresa NoronhaOnde histórias criam vida. Descubra agora