Capítulo 9 - Mortos que andam

376 0 0
                                    

         - M-mas... m-mas... - era tudo o que Marissol sabia dizer.
         - O que acontece, filha? - perguntou Élvio. - Você está tão pálida!
         - Ele estava aqui, púpi! Morto, mãos cruzadas no peito, um ferimento na testa, com uma rosa trespassada por uma faca de lâmina fina presa na capa, em cima de um valete de espadas, justamente a carta do Príncipe Negro,conforme disse a Juju!
         - Ele quem, Marissol? Não estou vendo ninguém morto aí!
         - O dr. Barros! Eu vi!
      Élvio revirou os olhos:
         - Vê se pode! Estamos procurando  aquele guloso do Mergulhão e você me diz que encontrou o dr. Barros? Sabe de uma coisa? Você tem assistido a muitos filmes de terror, ultimamente, e é nisso que dá!
          - Eu não estou ficando pirada, púpi! - insistiu a menina. - E tem mais: a pomba debaixo ali da fonte estava caída no chão e empapada de sangue!
          Élvio deu alguns passos.
          - A pomba se encontra na fonte, exatamente onde sempre esteve - disse Élvio, levantando-a e novamente encaixando o pino que a prendia em um buraquinho. - Branquíssima e sem  o menor vestígio de sangue. Marissol, essas histórias do fantasma do seu Isaltino e este clima chuvoso encheram a sua cabeça de idéias malucas. Melhor irmos para casa que vai desabar outro aguaceiro.
        Contrariadíssima, Marissol obedeceu, mas prometendo que, custasse o que custasse, aquilo não iria ficar assim.
         Assim que entraram em casa, ela foi à procura de Juju. Juju estava sentada na cama e cantarolava enquanto pintava as unhas dos pés. Marissol abriu a porta de supetão, Juju se assustou e, sem querer, pincelou o peito do pé.
         - Veja só o que você fez! - reclamou com as sobrancelhas quase desaparecendo, de tão arqueadas. - Não podia entrar de mansinho? Pipocas!
         - Desculpe, Juju! - E Marissol molhou um algodão na acetona para Juju limpar o pé. - Acontece que eu preciso de um favor seu...
       Juju pegou o algodão e não disse um a.
       - Quero que você veja, no seu baralho, se não está faltando o valete de espadas!
       - Mas é claro que o meu baralho está inteiro! - declarou Juju com o pé já limpo. - E porque não haveria de estar?
        - Porque... porque... tenho a impressão de ter visto essa carta do seu baralho em outro lugar.
        - Onde?
        - Espetada... espetada com um punhal... espetada no peito do dr. Barros. Ele estava caído, morto, no chão, embrulhado em uma capa plástica, igual a um presunto!
        Por alguns momentos, Juju fez uma expressão de horror. Mas, de repente, cruzou os braços e fechou a cara:
        - Escute aqui, Marissol, está querendo gozar da minha cara, é? Onde já se viu, o dr. Barros embrulhado igual a um presunto?
         Marissol botou as mãos na cintura:
        - Eu sou uma burra! - resmungou, zangada. - Eu já devia ter aprendido que os adultos não acreditam nos jovens e aqui estou eu, como uma tonta, esperando que você, uma medrosa, acredite no que eu digo! Está bem, não preciso de sua ajuda, não precisa ir ver se está faltando o Príncipe Negro no seu baralho! Mas escute só uma coisa, sua neta de cigana de meia-tigela: você mesma falou que ia acontecer uma morte nesta casa, e ela já aconteceu porque eu vi o defunto! Tomara que a próxima vítima seja você!
          Juju arregalou os olhos:
        - Que história de próxima vítima é essa?
        - Você acha que o fantasma que ronda a fazenda é pacífico, bonzinho e inocente? Pois fique sabendo que são dois fantasmas, uma pa-re-lha deles que nos ameaça! Ou quem sabe são os loucos que começaram a matar? É, só pode ser isso, por que não pensei nisso antes? A televisão noticiou que os loucos tinham fugido do manicômio, mas não informou se foram encontrados. Sou até capaz de jurar que aqueles com quem papai falou não eram nada estudantes de judô... e sim os próprios loucos que se abrigaram no mirante do seu Isaltino. Enfim, os loucos mentem tão bem que ninguém desconfia!
         - Ave Maria de Todos os Anjos! - gemeu Juju, encolhidinha de fazer dó. - Você não está dizendo que nós estamos aqui, desprotegidos no meio do mato, ameaçados por malucos... está?
         - Pelo jeito, eles adoram espetar faquinha nos outros. Não se esqueça, querida, do zugt que quase cortou seu nariz!
          - É mesmo! - concordou Juju, segurando o cheirador.
           - Muito bem - e Marissol mediu-a de alto a baixo. - Depois de tudo isso, não vai dar para a senhora ver se está ou não está faltando a carta do seu baralho?
           - E, se estiver, o que isso prova?
           - Que os loucos estão entrando na casa sem que ninguém veja; que os loucos "apagaram" o dr. Barros; que os loucos podem, quando quiserem, apagar qualquer um que se encontre neste casarão; que...
            - Cheeeeeega! - pediu Juju, desconfiadíssima, dando uma olhada debaixo da cama de Alicirda. - Está bem, vou dar uma olhada no baralho. Ele está na minha bolsa, lá na biblioteca. Peraí que vou buscá-la.
        Marissol ficou esperando á porta do quarto. De lá dava para escutar a mãe e Alicirda conversando na cozinha. E o Mário, onde estaria? E Clodoaldo Mergulhão? Será que havia sido "apagado" também?
         Enquanto isso, na biblioteca, Juju coçava a cabeça:
          - Cadê a minha bolsa? Juro que tinha deixado ali, perto da mesinha...
          Preocupada, Juju olhou no sofá, atrás do sofá. Já estava a ponto de ter um faniquito, quando viu a alça da bolsa saindo debaixo do sofá. Ajoelhando-se, puxou-a.
         - Aqui está a fujona! - disse.
         Sentando-se no sofá, abriu-a. O baralho estava lá. Nervosamente, Juju espalhou as cartas sobre a mesinha de centro e não demorou a descobrir que estava mesmo faltando o valete de espadas.
            Juju sentiu um calafrio e os olhos arregalados deram uma volta por toda a biblioteca, suspeitando que os malucos poderiam estar ali, atrás das cortinas cerradas da janela. Juju ficou tão assustada que não era capaz nem de mover-se.
         Foi aí que escutou uma voz, do lado do alpendre, do outro lado das cortinas.
        - Dr. Mergulhão! - falou, aliviadíssima. - Que bom, você voltou!
        " Eu preciso contar para ele, preciso pedir pedir a ajuda dele, tenho que dizer que... estou seca de medo!"
      Correndo até as cortinas, puxou-as. Só que Juju não esperava ver o que viu: com o nariz encostado ao vidro, estava o dr. Barros. Branquíssimo! Com uma ferida na testa, a rosa espetada na capa de plástico e o valete por baixo - igualzinho Marissol havia descrito. Só que ele não parecia morto. Nada! Sorria sinistro, satânico, horrível como um vampiro, de olho branco e um fio de sangue escorrendo pelo canto da boca.
           Foi demais! A pobre Juju deu um pulinho para cima e tombou desmaiada como se fosse uma pedra.
 

O príncipe fantasma - Ganymédes José/Teresa NoronhaOnde histórias criam vida. Descubra agora