Capítulo 8 - Desaparece um e morre outro

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       No dia seguinte, Marissol acordou cedo, com um barulhão seguido de gritos. Vestindo-se às pressas, correu para a sala. Vazia. Os gritos continuavam e vinham do quarto de Juju.
       - Socorro, me ajudem! Aplecida! Não, não é esse o nome. Alinarda, Alimirda, Plecilda, Maliconda, socoooooorro!
          Desesperada, Juju tentava recordar-se do nome de sua companheira de quarto. O máximo de que se lembrava, porém, era de que o nome tinha um L e um I, mas onde ficavam essas letras e em qual bendito nome não se recordava. Por isso, continuava tentando e gritando:
          - Aladirce, Cildana, Arcolina, Miracola... mulher do nome difícil, corra aqui depressa!
           Chamada por nome certo ou errado, Alicirda acudiu. Tão assustada que foi com uma bacia grande e uma concha idem nas mãos. É que na casa não havia nem sineta nem gongo para anunciar que o café estava pronto e, para avisar o pessoal, só mesmo com conchadas na bacia, fazendo um barulho de acordar os mortos. Mas, pelo visto, só tinha conseguido despertar Juju, a gritalhona...
        Juju estava caída no chão e parecia passarinho de asa quebrada. Piando sem parar. Contou que havia acordado assustada com o barulho e, esquecendo-se de que estava no beliche de cima, deu um salto...
       O resto da turma apareceu em seguida, e o quarto se encheu de: "Que foi?", "O que aconteceu?", porque ninguém entendia o fato de ver Juju caída e Alicirda escondendo o rosto com a bacia, atrás da qual chorava de fazer dó.
        - Essa menina gosta de se enfiar em caldeirões e bacias, não é mesmo? - perguntou Eliete, sem entender nada do que havia acontecido.
        Dr. Barros examinou Juju e viu que nada de grave havia lhe acontecido. E, para acalmar Alicirda, simplesmente disse:
        - Não se sinta culpada, porque a culpa é só mesmo da Juju. Onde já se viu saltar da cama sem ver onde está? Vou recomendar que de hoje em diante ela durma de paraquedas.
         Depois, já que estavam todos de pé, foram tomar café. Pela segunda vez, Eliete sentiu falta do comilão Mergulhão.
        - Será que ele ainda não melhorou da enxaqueca? - perguntou, apreensiva.
        - Ele costuma tomar um remédio muito forte para aliviar a dor de cabeça e dorme até tarde - explicou Juju, já esquecida do tombo que havia levado.
        Entretanto, já estava quase na hora do almoço e Mergulhão não aparecia. Diante disso, Eliete ficou muito nervosa e pediu para o marido ir ver o que estava acontecendo. Élvio foi... e voltou com um ar de espanto:
        - Ele não está no quarto... e a cama nem foi desfeita!
        - Então... Mergulhão não dormiu nesta casa? - perguntou Juju, arqueando tanto as sobrancelhas que as duas se encontraram com o cabelo.
         - Não!
         Ao ouvir aquilo, Juju começou o segundo tempo da gritaria.
        - Oh, quem será que me roubou o Clodoaldo? A morte! Sim, a morte! Eu vi nas cartas do baralho! Foi o Valete de Espadas, foi ele! Eu sabia! Eu sabia! Chamem a polícia! Polícia! Polííííícia - e apitava mais do que sirena.
           Depois disso, Élvio e dr. Barros saíram para procurar o desaparecido. Mário também quis ir, mas eles não consentiram. A busca poderia ser demorada e até perigosa. Por isso, o garoto deveria ficar tomando conta das mulheres. Feliz com esse encargo, Mário concordou e os dois homens partiram, separando-se logo em seguida: cada um procurando em um determinado local.
        Os homens não voltaram até a hora do almoço. Por isso, as mulheres comeram em silêncio e preocupadas. Foi para tentar quebrar a tensão que Eliete inventou de fazer sequilhos. Marissol foi ajudá-la, trabalhando com Alicirda. Era muita massa para enrolar, colocar nas assadeiras, levar ao forno, tirar, e repetir tudo uma porção de vezes. De vez em quando Alicirda procurava contar alguma coisa engraçada acontecida em sua cidade - Jamaica - , mas Eliete nem respondia, de tão preocupada. Marissol, por sua vez, estava em um grande dilema: poderia dizer para a mãe pedir ajuda pelo telefone de seu Fumiko, mas seu Fumiko iria dizer que não, que o telefone dele também não estava funcionando. E como Marissol poderia provar que ele estava mentindo? Lógico que não poderia dizer que tinha entrado na casa do caseiro...
       Quando Marissol percebeu um arzinho de sol lá fora, deu um basta às atividades de quituteira e resolveu dar um passeio.
        - Mário, não quer ir conhecer o jardim misterioso? - convidou.
        - Agora não posso, estou de sentinela - respondeu o menino. - Tio Porício e seu pai pediram para eu tomar conta das mulheres, e eu sou um cavalheiro. Vamos depois, está bem?
         Marissol fez que sim e resolveu ir sozinha. Sentia um impulso irresistível de ir dar uma olhada naquele jardim, como se algo a obrigasse a tomar essa decisão. Por isso, vestiu a capa, calçou as botas de cano alto e, caminhando devagar para não enfiar os pés nas poças, afastou-se.
         Quando chegou lá, para sua surpresa, Marissol viu que o portãozinho estava aberto. Entrou. A rosa que tinha visto havia sido desfolhada pela chuva, mas, na roseira ao lado, outro botão estava prestes a se abrir. A fonte transbordava. Onde estaria a pomba da bacia de baixo? Teria sido derrubada pela chuva? Avistou-a, por fim, caída perto das roseiras.
          Pensando em recolocá-la em seu lugar. Marissol apanhou-a. Estava suja de barro. Mas, olhando de perto e melhor, viu que não era barro. Aquele líquido vermelho era... sangue?
          Horrorizada, Marissol atirou a pombinha longe. De repente, o jardim havia perdido o seu encanto, tendo-se tornado ameaçador. Além disso, trazidas pelo vento, nuvens escuras e assustadoras baixavam sobre aquele estranho lugar.
           Ao dar meia-volta para sair correndo, Marissol viu um corpo estendido no chão. Tremendo dos pés à cabeça, arriscou olhar: era o dr. Barros. Muito pálido, os olhos fechados e um grande ferimento na testa. Embora petrificada de pavor, ela viu uma rosa vermelha presa em sua capa, trespassada por uma faca  de lâmina muito fina. Embaixo da rosa, uma carta de baralho: o valete de espadas, ou, como havia dito Juju, o Príncipe Negro!
          De repente, como um raio, Marissol disparou para sua casa enquanto pensava: "O Mário não pode saber! Será um choque terrível para ele! Como vamos fazer? Como vamos fazer?".
        Por sorte, encontrou o pai, que vinha chegando na direção da piscina.  Sem dizer uma única palavra, Marissol agarrou-o pela mão e começou a puxá-lo para o jardim. Ao perceber que a filha estava transtornada, seguiu-a correndo, sem fazer perguntas. "Será que ela encontrou o Mergulhão morto?", pensava Élvio.
         Entraram no jardim. Marissol, sem olhar, simplesmente apontou para o lugar onde estava o corpo do dr. Barros. Élvio, porém, não teve a menor reação. Apenas ficou olhando para a filha, sem compreender o seu desespero.
        Então, Marissol virou a cabeça, olhou e ficou ainda mais apavorada.
        O corpo havia desaparecido.
        

O príncipe fantasma - Ganymédes José/Teresa NoronhaOnde histórias criam vida. Descubra agora