Capítulo 03 - Sentir e Verdade (Versão Amazon)

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Leonardo

Momentos antes na pediatria...

Eu estou na UTI neonatal sentado numa cadeira ao lado de uma incubadora, meu dedo mindinho está sendo pressionado por uma frágil mãozinha pequena, mas que aperta meu dedo com tanta força que começo a pensar que ela não seja tão frágil assim, não tenho vontade de soltá-la.

Olho para esse ser tão pequeno e indefeso e não sei decifrar o que estou sentindo neste momento. São tantos sentimentos misturados e me vem à lembrança o que um médico experiente me disse no dia da minha formatura:

"Lembre-se que não importa quantos anos você estude para se tornar um médico, você só será um médico de verdade quando viver e sentir tudo o que essa profissão te traz. A alegria em salvar vidas, de ajudar a trazê-las ao mundo já que escolheu a pediatria, mas também a tristeza de quando as perde. Isto será inevitável. E ao contrário do que muitos dizem por aí, que médicos não devem ter sentimentos para não atrapalhar o desempenho do trabalho, eu te aconselho que sinta. Sinta tudo o que essa profissão te traz, pois somente assim você terá sensibilidade suficiente para cuidar dos seus pacientes e ser um bom médico".

Meu avô estava certo, nem todos os anos na faculdade, nem os anos de especialização e prática me preparariam para esta experiência. Eu já atendi muitos bebês e crianças em casos delicados, principalmente as do orfanato, que além do problema de saúde também sofrem com a vulnerabilidade do abandono, maus tratos e negligência.

Mas hoje pela manhã no horário do meu plantão no pronto atendimento da clínica, diante de vários casos, desde os mais comuns até os mais inesperados e inusitados, pois quando se trata de criança nada é previsível — fraturas, objetos engolidos, intoxicação alimentar, resfriado, virose —, enfim, eu não poderia imaginar o que viria a seguir.

Estava me despedindo dos pais de um garotinho com quadro de virose que acabara de receber atendimento, quando um homem entrou pela porta principal do pronto atendimento pedindo ajuda, ao que tudo indicava pelas suas roupas, tratava-se de uma pessoa simples. Mais tarde fiquei sabendo que era um trabalhador que vive sua vida recolhendo material reciclável. Um miserável ou até um malandro aos olhos de uma sociedade preconceituosa, em que dinheiro e status são mais importantes que caráter. Mas não aos meus olhos, porque eu sabia que aquele homem teve a atitude mais nobre que muitos homens endinheirados não teriam. Sua expressão era de desespero, ele gritava por socorro, tinha em seus braços um bebê recém-nascido enrolado em uma manta que presumi ser dele, e não do bebê, mas, era isso que o cobria e aquecia. Aquele homem clamava por ajuda enquanto dizia que havia encontrado a criança em uma lixeira.

Imediatamente tomei o bebê em meu colo e corri para um dos consultórios, iniciando os primeiros socorros constatei que era uma menina, ela ainda tinha o cordão umbilical, seu coração batia em ritmo acelerado, seu peito subia e descia de forma rápida e constante, seu corpo estava um pouco avermelhado pelo esforço de seu choro. Dei comando para que avisassem na UTI neonatal que tínhamos uma emergência.

Já na UTI, com a ajuda de outros profissionais o bebê foi limpo, teve seu cordão umbilical cortado, foi alimentado, colhemos seu sangue para exames, estabilizamos sua temperatura e agora esse bebê, essa valente menininha está aqui, confortavelmente deitada na incubadora apenas para a monitorarmos melhor, pois ela não corre nenhum risco de morte.

Tão pequenina e já teve que lutar pela vida da forma mais difícil, lidar com o abandono de sua própria genitora e contar com a sorte de ser encontrada por um estranho que a trouxe a tempo, evitando que o pior acontecesse.

Quando os Caminhos se Cruzam  - [DEGUSTAÇÃO] [COMPLETO NA AMAZON]Onde histórias criam vida. Descubra agora