Moletom verde

1.1K 59 15
                                    


MOLETOM VERDE

Ela viu o opala preto estacionar, através da vitrine, em frente à loja de conveniência.

Tentou controlar o sorriso involuntário que sempre surgia em seus lábios ao vê-lo, pois já estava programado para aquele horário. Respirou fundo e ajeitou a postura, tentando parecer elegante. Quero dizer, o mais elegante que alguém poderia parecer vestindo uma calça jeans surrada e um casaco de moletom verde.

Ao ver o motivo do seu sorriso involuntário sair do carro, ela rapidamente arrancou o elástico que prendia os cabelos castanhos e passou os dedos pelos fios, tentando deixá-los no lugar. Ainda tentava arrumá-los quando o sino acima da porta tilintou, indicando a entrada de alguém.

Ela parou o que fazia e levantou o olhar. Seus olhares se encontraram. Verde no castanho. Ambos tentavam controlar um sorriso.

A conexão foi quebrada em poucos segundos, quando o rapaz desviou o olhar e começou a andar entre as prateleiras. Ela engoliu em seco, por fim decidindo deixar o cabelo como estava.

Analisou a figura masculina de costas, a sua boa postura, o cabelo escuro e desarrumado, a barba mal feita... Aquela era a barba de 6 dias. Ela já havia decorado todos os tipos de barba que ele possuía, e aquela com certeza era a barba de 6 dias, que ele deixou crescer porque estava ocupado com algo.

"Com o quê?", ela gostaria de perguntar.

Ele tirou um pedaço de papel do bolso da calça jeans e o leu por alguns segundos. Em seguida, foi em direção aos refrigerantes e ficou um bom tempo pensando em qual levar, intercalando a indecisão com algumas olhadelas em direção à garota.

Talvez ele devesse tentar conversar com ela dessa vez. Ou não? Talvez sim. Sempre ficava nesse impasse. O receio de parecer inconveniente era maior do que a vontade mordaz de ouvir a voz da garota.

Eles nunca conversaram de verdade, mas se juntasse todas as trocas de palavras e as tentativas de piada que eles haviam tido durante os últimos 8 meses, talvez desse para formar uma conversa.

Porém, mesmo com o pouco tempo e a timidez, ele sabia que os olhos dela o lembravam do mar da Califórnia, tão longe daquela cidadezinha interiorana em que se encontravam, e para onde ele pretendia ir dali à... alguns minutos.

Sabia também que ela nunca conseguia e nunca conseguiria arrumar aquele cabelo, mas a rebeldia castanha formava uma moldura bonita ao redor do seu rosto delicado e cheio de sardas. Quando ele a olhava, mesmo com a expressão entediada atrás daquele balcão antigo, ele só conseguia pensar no quanto ela parecia uma força da natureza. Um furacão que ainda não havia se formado completamente, mas que estava no caminho para isso.

E, acima de tudo, ele sabia que a maior vontade dela era de arrancar aquele moletom verde ridículo e sair daquela loja. Fugir daquela cidade e da própria vida que levava.

Talvez ele pudesse ajudá-la nisso. Possuíam expectativas em comum e uma vontade absurda de tocar na mão um do outro.

"Que coisa clichê", ele pensou. Mas jamais negaria que era a mais pura verdade.

Ela batucou os pés no chão, tentando se distrair olhando para o lado de fora. Porém, a vista nunca mudava. Era a mesma estrada, os mesmos carros passando todos os dias, o mesmo cachorro deitado na calçada. Nada parecia diferente.

As nuvens de chuva já se aproximavam, escurecendo o céu, e ela suspirou pesadamente, imaginando como chegaria em casa andando. Provavelmente ficaria encharcada e pegaria um resfriado, como na semana anterior.

Crônicas de Júpiter [✔]Onde histórias criam vida. Descubra agora