As flores que deixei morrer

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AS FLORES QUE DEIXEI MORRER

   Você disse que a situação seria fácil. Como um band-aid arrancado rapidamente. Primeiro, a dor. E calmamente, em seguida, o alívio. E eu nunca mais ouviria o seu nome, sua voz, seus barulhos, sua respiração e tudo o mais que me mantinha acordada nesse mundo caótico.

   Você realmente costumava ser a minha âncora. O que me mantinha sã e com os pés na realidade. Porque quando a realidade é dura, o melhor que a nossa mente pode fazer é nos manter em um lugar distante, longe de todo o conflito. E isso me cegava, até que você chegou.

   Os dias passaram a ser melhores. Sem dias exaustivos e sem noites de insônia. Você tornou tudo tão fácil quanto respirar, mesmo quando eu sentia que todo o ar era retirado de mim.

   Você disse que eu mal sentiria a sua falta depois de uma semana. Eu me perguntei, por dentro, se você realmente ouvia as palavras que saíam da minha boca sempre que você me abraçava. Eu não deixaria de sentir a sua falta, rapaz. Como se acostumar tão rapidamente com a falta do seu remédio mais poderoso, e que você mais precisa? Depois da primeira semana, eu ainda me perguntava o que havia feito de errado. Foi eu, foi você ou foi a vida?

   Porque a vida tem essas atitudes desconfortáveis e dolorosas, seguindo a linha de raciocínio dessas pessoas por aí que dizem que, às vezes, é melhor desapegar. Deixar pra lá. Pensar com o cérebro e não com o coração. Deixar para trás algo que já não parece tão certo e seguir à procura de algo melhor.

   Eles não sabem o que falam. Se soubessem os efeitos disso tudo, jamais falariam tais absurdos. Porque dói. Como uma facada, como um soco, dia após dia.

   E eu realmente nunca mais ouvi o seu nome, sua voz, sua respiração. O apartamento anda mais vazio e o espaço vago no guarda-roupa também. Como se você fosse apenas uma ventania que passou por aqui, bagunçando e aliviando tudo dentro de mim, e em seguida foi embora. Tão rápido quanto veio. As flores do último jantar continuavam lá na sala. Eu colocava água todos os dias, mas aos poucos parei de fazer isso como se você fosse passar pela porta, no fim do dia, e sorrir para a minha dedicação à elas. Aos poucos a dor vai aliviando mesmo. Mas o ferimento não cicatriza.

   Eu continuei deixando o espaço vago no guarda-roupa e no armário do banheiro. O lado esquerdo do sofá continua intacto. Eu já me conformei com a falta, mas sinceramente? Eu ainda espero ouvir a chave girando na fechadura no final do dia. Patética, eu sei. Mas eu também já aprendi a me conformar com isso.

   Porém, na manhã de hoje quando levantei, a primeira coisa para a qual eu realmente olhei foi as flores. Murchas, caídas, descoloridas. Pensei em ir até elas e trocar a água, mas não adiantaria. Cheguei à conclusão de que, para deixar as memórias morrerem, eu teria que deixar as flores morrerem.

   E eu disse para elas as mesmas palavras que você disse para mim, há um mês atrás: "Eu sinto muito."

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