Um

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Meu pai fizera questão de matar um dia de serviço e me acompanhar até o aeroporto em meu último dia como residente de Nova York. Apesar da alegria, esta que ele fizera questão de demonstrar durante toda as férias de verão, eu tinha certeza que ele estava lutando arduamente para segurar as emoções.

No caminho até o aeroporto revesamos entre sua playlist de blues e jazz e a minha, com direito a Avril Lavigne e tudo o mais.

Com todas as janelas abertas e o sol no rosto, nos divertimos como se aquela fosse a última vez em muito tempo. E talvez fosse. Não haveriam viagens barulhentas e Led Zepellin nos auto-falantes. Não haveria macarrão a bolonhesa - a especialidade do papai - e nem pizza de gorgonzola - a melhor receita da mamãe. Quando eu pusesse os pés em Charlotte, teria te me reinventar e aprender a viver sem aqueles dois ao meu redor.

- Não se esqueceu de absolutamente nada, Emy? - perguntou meu pai quando atravessamos a porta do aeroporto John F. Kennedy. A precaução no tom de voz me enchendo de familiaridade.

- Não, tudo certo - sorri em sua direção, sentindo o homem contornar meus ombros com seu braço.

Me senti tão pequena diante daquele lugar e de todas aquelas pessoas que pareciam certas de seus passos apressados. Estar ali, a apenas alguns metros do portão de embarque, fez meu coração comprimir. Eu estava ciente de que aquela era a reta final. Não tinha volta agora que tudo estava pago e decidido, mas mesmo assim quis ter a escolha de me agarrar em meu pai e chorar até que ele me levasse de volta para casa.

- Ana deve estar tão aborrecida - Richie comentou distraído, arrancando uma pequena risada de mim.

- Ah, tenho certeza que nos despedimos o suficiente para que ela não sinta minha falta tao cedo.

- Como se você não conhecesse sua mãe - ele rolou os olhos e juntou-se a mim na gargalhada. É, com certeza Ana estava roendo as francesinhas atrás de sua mesa no escritório.

Marcos, o chefe da minha mãe, quase nunca dispensava a mulher do serviço a não ser que ela estivesse no pior estágio da doença. Dessa vez não havia sido diferente, e mesmo que ela tivesse choramingado ao telefone dizendo coisas como Carolina do Norte, minha filha e por favor, ele não abriu uma exceção. Ela era uma grande mulher na agência de publicidade onde trabalhava e um dia sem ela era como um dia perdido.

Fizemos meu check-in sem muitos problemas e eu respirei fundo, olhando ao redor só para certificar que ninguém estava ouvido às batidas frenéticas do meu coração.

- Você está pronta? - ergui os olhos até meu pai, e reparei na cor verde que estampava suas iris. O mesmo verde que eu havia herdado.

- Mais ou menos, pai. Vou sentir tanto a sua falta - me joguei em seu abraço e solucei enquanto ele apoiava minha cabeça em seu peito e acariciava meu cabelo. - Prometa que vai me visitar na Carolina do Norte.

Ele assentiu.

- Quando você menos esperar, Daisy¹.

- Então nos vemos em breve - soltei-me de seu aperto e segurei na alça das malas ao meu lado. - Tchau, papai.

Enxuguei o canto dos olhos timidamente e atravessei o detector de metal enquanto aquele homem que significava minha própria vida ia ficando para trás.

Quase duas horas depois, quando aterrissei no aeroporto de Charlotte, meu nervosismo não havia diminuído em nenhuma proporção, apenas aumentado. A última vez que visitei a Carolina do Norte fora para conhecer o campus da universidade e entregar alguns documentos e a viagem durou apenas um fim de semana.

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