Rachel Black

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Sentada no sofá gasto, em frente à lareira da casa de madeira, o cheiro de lobisomem queimava em minhas narinas. Era um cheiro específico e familiar, mas minha mente se debatia em memórias procurando uma explicação difícil de encontrar. Rachel parecia realmente gentil. Cidades pequenas talvez sejam, de fato, uma fábrica de pessoas gentis e calorosamente acolhedoras. Sentada em uma poltrona próxima à minha, ela abriu seus pensamentos com uma confiança fácil. Minhas mãos seguravam uma xícara de chocolate quente, e minhas pernas eram aquecidas por um pequeno cobertor verde musgo.

Enquanto ela falava sobre sua irmã gêmea, Rebecca, e sobre ter ido estudar na Washington Academy graças à uma bolsa de estudos universitária, minha mente fazia lentamente a conexão. Rachel Black. O sobrenome ecoou e se sobrepôs diversas vezes dentro da minha mente. A falecida mãe. O cheiro familiar. A mulher na foto, dentro do colar. Era a casa de Jacob. Ela continuava me contanto sobre sua vida, ansiosa e empolgada, e eu não poderia ser insensível ao ponto de cortar sua linha de raciocínio para perguntar sobre Jacob ou Billy. A ouvi pacientemente, com a esperança de que a porta se abrisse de supetão. Minhas preces não foram atendidas, mas não fiz desfeita: eu havia conseguido uma amiga, e esse é um progresso para alguém como eu, cujas únicas amizades anteriores eram baseadas na reputação de minha família.

O clima de La Push é quase sempre desanimador. O céu sempre coberto por nuvens pesadas em tons de cinza escuro, algumas chuvas ocasionais e o clima extremamente úmido. Não entendo o porquê de os lobos viverem aqui. Os vampiros, claro, precisam tomar cuidado com a exposição ao sol e podem viver pela eternidade, mas sempre se restringindo ao clima depressivo. Os lobisomens, pelo contrário, têm pele e alma quentes. Eu poderia pensar nisso por incontáveis horas, mas minha curiosidade martelava perguntas que eu não deveria fazer.

Mas ouvi o rangido da porta, e me senti salva pelo gongo ao sentir um cheiro docemente amadeirado entrando pelas minhas narinas. Minha família nunca gostou do cheiro dos lobisomens. Em parte porque é da natureza deles sentir repulsa pela espécie inimiga, mas, em dias chuvosos, o cheiro realmente lembra um cachorro molhado. Impressionantemente, não era o cheiro que eu sentia agora. Mesmo estando de costas para a porta da entrada.

- Ah, que bom que chegou. Ness, esse é meu irmão mais novo, Jacob. - Ela sorriu docemente, fazendo um rápido sinal com a cabeça, o qual eu segui obedientemente, direcionando meus olhos para o garoto moreno, quase da altura da porta, que entrava segurando uma sacola.

Mesmo tendo virado meu pescoço rapidamente, senti como se ele já soubesse quem eu era. Sua reação foi demorada e friamente calculada, e senti seu nervosismo quando vi seu dedo indicador tremendo levemente. Quando ele seguiu meu olhar, cerrou as mãos em punho, para que o movimento se tornasse imperceptível. Largou a sacola em cima da mesa e me olhou.

- Culpado. - Sorriu de lado, erguendo uma das mãos com a palma aberta.

- Me lembro de você. - Murmuro, de forma inaudível aos ouvidos humanos, mas tendo a certeza de que ele compreendeu.

Tenho poucas memórias dele ao meu lado. Até os meus três anos, para ser mais exata. Eu aparentava ter dez, e agarrava seus pêlos acobreados em corridas pela floresta. Mas então, ele voltou para os Quileute. Virou o lobo alfa e assumiu responsabilidades. Mamãe me disse que éramos bons amigos, e que ele lembraria de mim. E me reconheceria.

Fico com a consciência pesada, pensando sobre o quão egoísta eu fui, querendo que ele largasse os deveres para ficar comigo, na época. Espero que ele seja uma boa companhia hoje. De verdade.

After All This TimeOnde histórias criam vida. Descubra agora