#68 (Sessenta e oito)

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Eu nunca vou esquecer o dia quatorze de abril. Não sei como julgar essa data, já que tantas coisas aconteceram. Coisas boas e ruins. É engraçado como certos acontecimentos, por mais banais que sejam, podem ser tão poderosos a ponto de transformar momentos em lembranças marcantes. Tudo bem, não foram acontecimentos banais e boa parte das coisas se apagaram da minha mente, mas ainda sei tudo sobre o email que tentei enviar para Vic. Cada palavra. Talvez essas palavras tenham encontrado um esconderijo para continuarem preservadas e eu sei exatamente onde cada uma delas está.

Mensagens eletrônicas são totalmente inofensivas, principalmente se você não as utiliza para o trabalho ou precisa transmitir informações importantes. Então, o que dizer de um confuso pedido de socorro no meio da tarde? Um texto tão incompreensível que poderia ser difícil deduzir o que essa pessoa precisava ser salva ou de quem.

Alguém me disse uma vez que as mensagens escritas dependem muito mais do humor de quem as recebe do que das emoções de quem as envia. Não tenho certeza se tudo isso começou quando eu dei muita importância a um email enviado por engano ou quando superestimei a gentileza inesperada da resposta. Acho que a mesma pessoa que me disse isso precisa rever sua teoria. Ele continuou me respondendo até mesmo mal humorado e meio bêbado.

Pensar naquela Helena do dia quatorze de abril, tão desesperada por causa de uma jaqueta, me faz pensar em como eu podia me contentar com tão pouco: um amor unilateral que possivelmente era só uma fantasia. Eu achava que havia algo de mágico e altruísta em suportar tudo para fazer um relacionamento dar certo. Só que o momento difícil que Alexandre vivia não ia melhorar nunca, ele continuaria sendo um namorado ruim e eu continuaria me sentindo culpada.

Certas coisas são tão evidentes que são difíceis de enxergar, como marcas de agressões que não machucam a pele, mas são igualmente dolorosas. Ainda sinto raiva de mim mesma por ter perdido tanto tempo alimentando isso, me sentindo tão responsável pelas atitudes dele. Agora parece idiota ficar pensando, mas eu acreditava nisso. Quase cegamente.

Felizmente, de vez quando, a cegueira é só temporária e sempre existe a possibilidade de pedir ajuda. Ainda assim, a vida não lhe oferece muitas escolhas: ou você continua aceitando ou você enfrenta.

Enfrentei todos os anos de sentimentos confusos por Alexandre naquela noite no café e estou aqui agora enfrentando sentimentos tão frescos por outro Alexandre. Isso é tão louco! Mas essa é uma situação totalmente inversa e a infelicidade de compartilharem o mesmo nome foi muito bem compensada em cento e vinte e nove emails.

Certas coisas são tão evidentes que são difíceis de enxergar e é por isso que não sei o que acontece agora e nem o que vai acontecer quando eu pedir ao porteiro que interfone para o apartamento dele. Supondo que Alex estará em casa e que ainda me restará equilíbrio e sanidade para chegar até ele.

Eu precisei de dez minutos para largar o meu celular e dizer a Lia que estava saindo. Quatro tentativas para acertar a chave na ignição e de muitos segundos inspirando e expirando para ajudar minhas mãos a decidirem por devolver o ticket e sair do estacionamento do shopping.

Agora estou aqui suando e com um sorriso doendo na boca. Tão exausta e ao mesmo tempo confiante.

Expectativas são uma merda. Elas são como mentiras que contamos nós mesmos, porque estamos tão ansiosos para que algo aconteça ou pela mera ideia de acontecer. Nosso primeiro encontro já aconteceu, mas a consciência de que, dessa vez, vai fazer bem a nós dois e ninguém terá suas esperanças frustradas por um engano terrível é uma sensação maravilhosa. É diferente desta vez, sei o exatamente o que estou fazendo e lá é onde eu realmente quero estar. Preciso estar perto de Alex, o bastante para ver os olhos dele de novo de outro modo; descobrir toda a verdade sobre os dentes e dizer tudo o que está me sufocando, mesmo que eu não faça isso usando palavras.

Com Amor, Lena [Concluído]Onde histórias criam vida. Descubra agora