- Escrito por D.A. POTENS -
Uma hora da manhã. Sim, já é uma hora da manhã e eu estou fazendo o quê? Assistindo séries e me entupindo de coxinhas feitas pelo espírito de minha mãe. Acho que muitos se identificam com essa situação: passamos o dia como se fôssemos máquinas, temos de aguentar a hipocrisia e a cara de pau das pessoas hipócritas apontando seus dedos e dizendo o que é certo ou errado, embora elas mesmas não façam isso. Cansei! Estou cansada demais para aturar essas hipocrisias. Por isso estou me entupindo de colesterol, queijos, frango e tudo o que pode saciar não meu estômago, mas o vazio que eu sinto dentro de mim.São nestes momentos sublimes da madrugada que encontramos um pouco de paz. Somente com a noite regada a risadas espalhafatosas, quando assistimos aos nossos personagens fazendo merda ou passando por conflitos incríveis em sagas românticas, de terrores intensos ou de dramas melados, que paramos para pensar no quanto somos voláteis.
Mas, quer saber de uma coisa? Mesmo eu sendo podre, triste e não tão feliz quanto minha personalidade parece ser, quero dar um grande foda-se a tudo o que parece ser real, porque quando eu olho para os lados, apesar de ver muitas felicidades, assim que foco nos pormenores, vejo que não é tudo tão lindo quanto parece ser, e que as pessoas "felizes" carregam consigo muitas tralhas sentimentais, embora algumas — só não digo a maioria, pois eu estaria sendo muito extremista — gostassem de pisar e humilhar outras como fizeram comigo.
Quer saber, amorzinho, vou parar de pensar nisso tudo.
Meu pai dizia que quanto mais ligamos para o que os outros dizem, piores nos sentimos. Por isso, as séries, a comida e as risadas não passam de uma distração que nos afasta da verdadeira solução. Fraca, gorda, moreninha dos cabelos crespos, sem bunda, sem peitos, talvez uma tábua. Deus me fez assim, quem sou eu para discordar? Ficarei calada e chorar enquanto degusto mais dez coxinhas. Dizem que esse salgado é uma das coisas mais maravilhosas da vida e eu concordo. O motivo: elas não nos decepcionam tanto quanto os humanos.
Diante e encurvada para frente, alegrava-me com o episódio especial de Sense8, quase finalizado com uma incrível orgia entre os casais. De fato, cada um sentia com seu determinado par, porém, algo me incomodava. De início, eu não soube identificar, só pensava no quanto de realidade aquilo possuía em si. Orgias, ménage, relacionamentos abertos e swing: era tudo uma realidade obscura e implícita à maioria, embora todos soubessem da sua existência.
Vai e vem, cá e acolá.
Ao terminar o episódio, levantei-me, segurei meu prato e fui até a cozinha.
Bebi um copo de refrigerante e suspirei, ainda pensando naquela angústia que me incomodava acerca daquelas cenas, até que cheguei a uma conclusão: se a diversidade estava sendo propagada, onde estavam mulheres e homens como eu naquela salada anatômica?
Eu sabia que não podia fazer essa pergunta. Eu sabia! Acordar demônios internos é perigoso, principalmente diante de mais uma bacia de coxinhas.
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Vampiros, Gordura e um pouco de Loucura
VampiriOrganizada por D.A. Potens, autor de A Rainha da Morte, A Dama de Branco, entre outros, a antologia Vampiros, Gordura e um pouco de Loucura aborda as nocividades do preconceito, da discriminação, da rejeição e da humilhação dirigidas a pessoas com s...