O começo da jornada

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   Grimas é o único médico que temos na vila. É um homem discreto e bastante amigável. Todos na vila tem profundo apreço por ele. Trata das enfermidades do povo sem cobrar absolutamente nada. Em compensação, tem constantes convites para refeições onde e quando quiser. É alto, moreno e usa óculos. Não é raro vê-lo,mas sua casa fica na região mais alta das redondezas. Um caminho um tanto quanto difícil e relativamente distante da vila. Segundo ele, é para se concentrar melhor nos estudos. Está sempre lendo.

   Colocamos Nive encima do Cinzento. Subimos a montanha e avisamos a todos os que nos perguntavam sobre o que ocorrera com a bela Nive. Em pouco tempo toda a vila está sabendo do acontecimento e há uma comoção geral. Alguns amigos dela nos seguem e ajudam no decorrer do percurso turbulento. Chega um ponto em que temos de levá-la em nossos braços até a casa de Grimas.

   Grimas estava sentado na varanda lendo um livro de geografia, quando chegamos trazendo Nive desacordada. Grimas saltou da cadeira e foi ao nosso encontro. Sentia que se tratava de uma urgência.

- oque houve?-perguntou preocupado.

- Ela desmaiou de repente logo cedo- respondo.

   Minha expressão está bastante apreensiva. Todos ao meu redor tem suas faces mergulhadas em um semblante sombrio. Nive era querida em toda a vila. Era prestativa e dava a

   Devida atenção a todos. Todos eram seus amigos, mas eu sempre a evitava. Que tolice! Mesmo eu não sendo seu amigo declarado, ela sempre falava comigo.

   Grimas a toma em seus braços e a leva para dentro de sua casa. Eu tento entrar com ele, mas ele pede para que todos permaneçam distantes até segunda ordem.

   Fico angustiado. Pergunto-me se oque Nive tem é grave. Não. Ela só deve ter sentido uma tontura boba por causa da falta de sono. Sim, tento acreditar nisso para aliviar o aperto que atinge o meu coração. Grimas já está lá faz dez minutos e todos já estão inquietos.

   Finalmente Grimas sai com o diagnóstico:

- Bem- a palavra sai como um suspiro- Não há muito que eu possa fazer. Ela tem uma doença rara e eu não tenho o remédio aqui. Alias, nem sei se podemos...

   As palavras de Grimas fazem com que o meu sol se torne negro e minhas mãos comecem a tremer.

- Não pode ser- digo num tom sufocado- deve haver um meio de curá-la. Que raios de doença é essa?- minha voz sai raivosa,inconformada.

- Chama-se coração negro- Grimas responde em um tom grave - Atinge toda a parte cardíaca, fazendo com que o coração pare progressivamente de funcionar. É muito difícil de curar.

Muitos dos que estão por perto começam a chorar amargamente. Não consigo me conformar.

- É difícil! Mas nós temos que fazer algo! Ela não pode morrer. Como podemos salvá-la?

Grimas olha para mim com olhos ternos. Consegue sentir minha angústia. Ele mesmo era um grande amigo de Nive.

- Há uma maneira.

Tenho um sobressalto de esperança. Todos ao redor escutam atentos.

- Mas é um caminho perigoso demais.

- Não importa.

Thi me olha de maneira preocupada. Também está triste por Nive, mas agora percebe meus sentimentos claramente. Nunca consegui ver muito nos olhos de Thi,mas agora seu brilho está mais intenso. Ele estará do meu lado mais do que nunca. Parece querer dizer que irá seguir-me até onde eu for. Thi nunca foi destemido. Na verdade, sempre foi considerado um covarde... Até mesmo por mim. Mas seus olhos querem provar ao contrário.

- Para que Nive seja curada- Grimas fala solenemente - será necessário viajar para além destas montanhas. Será preciso procurar os ingredientes que compõem o remédio. São extremamente caros no mercado e mesmo assim não achariamos onde comprar a tempo de salvá-la. É um medicamento muito escasso e está nas mãos de pessoas erradas, em geral.

Grimas observa os semblantes de cada um dos presentes frente à sua casa.

-Por isso-prossegue- caso realmente queiram salvar a vida de Nive, alguém terá de procurar por cada ingrediente. Posso preparar o remédio, mas não posso sair para procura-lo, já que terei de iniciar imediatamente o tratamento de contenção cardíaca. Não temos tempo,pessoal. Mas quero adiantar que suas vidas estarão em risco indo para esses lugares.

- que tipo de lugares?- pergunta uma menina à minha direita.

-Idria e as Montanhas Negras - responde Grimas num tom mais baixo

Os rostos esperançosos logo desaparecem. O medo superou o amor por Nive. O desânimo predomina;mas eu não posso deixar Nive morrer. Eu não sei o porquê, mas eu tenho que tentar salvar a sua vida. Talvez ela olhe para mim...

- Eu irei - digo firme

- Eu também - surprendo-me. Thi se oferecera. Seus olhos não mentiram.

Todos continuam abatidos, porém ainda há esperança. Não vou deixar nem a Nive e nem a esperança morrer.

- Vocês estão certos disso?

- Sim - falamos juntos.

- Entrem.

A casa de Grimas é bem pequena e repleta de livros e aparelhos usados por ele nas consultas. Nive está deitada na cama dele. Sua feição está mais branda e sua respiração menos pesada. Está tão bela... Tão distante de mim.

- prestem bem atenção a tudo que irei dizer a vocês.

Thi e eu se quer piscamos. Ele nos mostra um velho mapa de Glories, onde estão marcados em vermelho três pontos distintos.

- estes são os lugares em que terão de chegar. Quando estiverem lá, virem o mapa. Estão vendo? Há orientações para saberem se estão no lugar certo.

- Como conseguiu esse mapa?- pergunto descuidadamente.

- Bem- parece pensar em uma resposta adequada - amigos o deram a mim. É mais do que precisa saber.

Não insisto no assunto,mas fico curioso.

- Os ingredientes que terão de encontrar são os seguintes: a flor das neves; a erva Anri ; as pétalas da flor do sol.

Em seguida, Grimas nos fala sobre as características principais de cada item. Ele fala de maneira rápida e clara, assim logo sabemos o necessário para ir.

- Brendo. Thi... Tem certeza disso? Este mundo não é como esta vila. Há coisas nesses lugares que ninguém conhece. E- faz uma pausa- não sei se vão voltar, mas irei espera-los até o fim de minha vida.

Estou mais curioso ainda sobre Grimas. Mas ele está sendo sincero.

- Seguirei mesmo que minhas pernas não aguentem - digo de maneira determinada.

Quando deixamos a casa do Grimas, o povo estava nos esperando na entrada da vila. Todos nos olhavam com olhos frios, preocupados. Passamos através do povo melancólico e seguimos até a nossa casa, onde nos preparamos para a viagem.

Era meio-dia , mas as densas nuvens cinzentas cobriam o sol. Partimos o mais rápido possível. O povo aflito nos acompanha com os olhos descer a montanha rumo a um futuro incerto. Virei o rosto uma vez enquanto descia e vi que não havia fé nos olhos daquelas pessoas. Meu coração gelou e fiquei com medo de nunca mais voltar.



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