Capítulo 2

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Eu estava em cima de uma montanha ao longe observando um grupo treinar. Detesto treinamento ao ar livre, na verdade é do dia que eu não gosto mesmo. Sempre preferi a noite, acho que é por isso que alguns séculos atrás eu me adaptei tão bem a essa nova vida. Descobri ao longo dos meus primeiros anos de vida que essa baboseira que falam sobre os vampiros, não passam de mentiras.

Dimitri me fez testar tudo que a minha mente humana recriminava, quer dizer, meu autoconhecimento já que eu não era mais humano. Eu sempre rebati o que ele dizia, ele me fez encher a boca de alho e tudo o que eu senti foi um gosto horrível, me fez tocar numa cruz e a partir daí nunca mais tinha largado dela, era a única coisa que me fazia ter uma ligação com a minha antiga religião. Ele, praticamente, me empurrou até a luz do Sol e comecei a gritar, parei assim que percebi que não estava queimando. Lembro até hoje do sorriso de deboche que ele me deu.

Depois de alguns anos, comecei a me sentir mais confortável ao lado dele. Eu não tinha outra opção a não ser conviver com ele, mas foi muito difícil pra mim começar a chamá-lo de pai e ainda é. Mas ele entende, ele me compreende, tem paciência comigo, posso dizer que ele é meu amigo. Me trouxe para o clã dele pra que eu não morresse, quer dizer, eu estou morto mas é diferente, na época eu tinha quase 21 e agora estou com 765 anos. Todos só começaram a me respeitar, quando ele me treinou para que eu conseguisse desenvolver minhas habilidades. Por incrível que pareça, eu me tornei um dos melhores lutadores por aqui, conquistei meu lugar, fiz alguns amigos e ganhei o título de filho do Lorde Dimitri. Ele estava me treinando para ter uma boa posição no conselho, eu não queria, mas ele disse que era preciso. Ele me deu a vida, não custava fazer algo que agradasse ele.

Nós treinávamos, porque existiam clãs inimigos muito perigosos e o conselho e os clãs aliados insistiam em dizer, que um dia haveria uma revolta e era bom que os seus estivessem bem preparados. Quando isso acontecer, se acontecer, eu estarei bem longe e levarei o Benny e o Dimitri junto comigo. O meu "pai" tinha mais dois filhos adotados, além de mim - o Richard, que não ia muito com a minha cara e o Benny, que virou um grande amigo já que me apoiava em tudo. O nosso clã se localiza no Reino Unido, bem longe dos humanos - aliás, nós não nos alimentamos deles, somente de animais. Não é a toá que nós moramos no meio de uma floresta, não seria fácil esconder um castelo enorme no centro urbano.

Do lado de fora um estilo neo-gótico, mas quando você chega no hall parece que você atravessou um portal, porque o que se espera são muros de pedras, um lugar assombroso e tal, mas o que você vê é um espaço amplo decorado com piso amadeirado, um tapete vermelho que se segue até o pé da escada, aliás a escada tem uns ornamentos de ouro que trazem riqueza pro lugar. Dois corredores, um de cada lado levando ao próximo ambiente e a escada enorme te convidando a ir lá em cima, bem no meio dos dois. São muitos quartos, salas secretas, duas bibliotecas com três andares, há um porão onde o conselho abriga os prisioneiros e somente, os autorizados podem ir até lá. Tem também, duas salas de estar e três salas de jogos, quando algum vampiro se sente entediado ou pros novatos que ainda estão acostumados com a vida humana. No sótão fica localizado o Sistema, o nosso local de divertimento, pelo menos o meu - é a área de treinamento. Usada todos os dias, a não ser quando tínhamos que estar treinando no jardim como agora.

Do outro lado do jardim, tinha uma câmara com dois andares, era aonde se encontrava a Sala Tribunal - onde aconteciam as reuniões do Clã Gray, meu clã. Eles não permitem que os recém-chegados saiam sozinhos, somente acompanhados por alguém de confiança. Eu tenho quase 518 anos e não posso andar sozinho. Dei muita dor de cabeça pro Dimitri, quase namorei a filha do líder, pena que ela é muito mais velha que eu e não quer se envolver demais. Me envolvia em muitas brigas, quer dizer, eles vinham me bater e eu só me defendia. O Benny sempre limpava a minha barra e eu a dele, já que ele é quem me influencia. Eu me arrependo de ter dito que gostaria de viver em outro mundo, eu não devia ter aberto a boca. Agora eu não posso morrer, mas já vi muitas pessoas que eu amava morrerem. A única coisa que mataria um vampiro é uma estaca de prata, eu quero ficar bem longe de uma, tenho que aproveitar meus 340 anos de idade.

Uma das habilidades em que eu mais me saí bem, foi a de percepção. Eu posso estar vagando nas lembranças, mas senti que alguém estava se aproximando de mim com passos que mal dão pra ser ouvidos. Olhei na direção da pessoa e relaxei, quando vi Dimitri chegando. Ele olhou na direção dos outros treinando e balançou a cabeça devagar, voltou a olhar pra mim e eu olhei pra frente.

-Se eu não me engano, você devia estar lá embaixo com os outros. - ele falou calmamente, o que me irritava porque ele mal se estressava com as coisas.

-Eu já estou apto pra uma batalha. - dei uma resposta rápida e o olhei.

-Como pode saber, se nunca lutou de verdade? - ele sempre tinha que me dar um banho de água fria.

-Arrume uma e eu lhe mostrarei. - falei em tom desafiador. Ele apenas sorriu e colocou os braços pra trás. Ele tinha os cabelos grandes, assim como eu - na verdade, eu me inspirei nele, nossos cabelos eram lisos e pretos, ele era mais alto que eu, mas, nós éramos muito parecidos.

-Você não precisa provar nada pra ninguém, meu filho. Seus anos de práticas já evidenciam que você se sairia muito bem. Mas, não se envolva numa batalha se não tiver um objetivo. Tenha sempre isso em mente. - ele me disse e sorriu, mas as presas estavam encolhidas. Outra regra, as presas só devem ficar a mostra quando vamos caçar.

-A gente bem que podia treinar juntos, você tá me devendo isso. Aliás, você disse que tinha que passar experiências pra mim e pro Benny. - eu o peguei, nunca esqueço do que ele promete pra mim. Ele cruzou os braços na frente do corpo e me olhou.

-Eu lembro, isso foi há 15 anos atrás. Vocês têm se saído tão bem que eu não quis interferir. Mas, agora não dá pra pensar em outra coisa, o conselho tá a mil com alguns processos relativos ao clã inimigo. Não esquece da reunião que nós temos mais tarde. - ele falou um pouco mais sério agora, o que me fez olhar pra baixo.

-Murilo, chega aí! - ouvi alguém me chamar e quando olhei, vi o Hugo com duas espadas na mão e fazendo sinal pra que eu descesse. Eu gostava muito dele, ele era maluco e divertido e sempre dava as melhores festas. Dei um sorriso animado e olhei para o Dimitri.

-Eu posso? - perguntei quando ele me olhou de volta.

-Desde quando você me pede permissão pra alguma coisa? - ele me respondeu com o sorriso no rosto outra vez.

-Eu esqueci desse detalhe. Mas, valeu pelo conselho pai. - ele acenou e eu dei um salto, em menos de dois segundos, eu já estava em pé do lado do Hugo e pegando uma espada da sua mão.

Olhei pra cima e o Dimitri não estava mais lá, me concentrei no Hugo e começamos a batalhar numa área um pouco afastada dos outros.


Não Tão Alto (PARADA)Onde histórias criam vida. Descubra agora