5 - FORMAÇÃO A

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Minha jovem amiga,

Você tem razão, falei (em minha primeira carta) dos traços de caráter que gostaria de encontrar num terapeuta, mas não disse nada dos caminhos pelos quais ele deveria formar-se.

Por exemplo, você me pergunta, que faculdade você recomendaria cursar? Medicina e psiquiatria ou psicologia clínica?

Na verdade, tanto faz, porque nem o psiquiatra nem o psicólogo clínico se formam para serem psicoterapeutas . Se você quer ser psicoterapeuta, o essencial de sua formação acontecerá depois da faculdade ou, quem sabe, durante seus estudos. De qualquer forma, se dará fora da academia.

E há, por isso, uma razão intransponível: uma peça- chave da formação de um psicoterapeuta é o tratamento ao qual ele mesmo se submete. E essa cura não pode ser uma demonstração pedagógica abstrata, não pode ser limitada a um fazer de conta durante o qual se transmitiria uma técnica. Ao contrário, espera-se que, nesta experiência, o futuro terapeuta se depare com a complexidade de suas motivações, sintomas e fantasias conscientes e inconscientes. Pois, para o terapeuta, não há melhor introdução à variedade do sofrimento humano do que a descoberta de que, em algum canto de seus pensamentos, ele pode encontrar palavras, lembranças, razões, visões e pensamentos parecidos com aqueles que afetam, agitam ou mesmo enlouquecem seus pacientes.

É óbvio que essa experiência por si só não forma um terapeuta. Desde o fim do século XIX, vem se constituindo uma imensa biblioteca de depoimentos, pesquisas e construções teóricas sobre o sofrimento psíquico, as motivações humanas e os caminhos terapêuticos possíveis. Espera-se que um terapeuta conheça o essencial da tortuosa história dessas ideias, não por gosto erudito, mas porque essa história apresenta as respostas que nós, humanos e modernos, construímos para entender quem somos . Ela é, em suma, uma vasta patologia das racionalizações que somos capazes de inventar para explicar nosso mal-estar. Espera-se também que, nesse emaranhado, o terapeuta escolha um fio e o percorra detalhadamente, lendo e estudando.

Muito bem, você dirá, entendo facilmente que a própria análise ou terapia de quem está se formando não possa fazer parte de um curso universitário. Como seria avaliada, com que notas? E quem garantiria a absoluta confidencialidade das coisas ditas ? Qual seria a qualidade da relação terapêutica, se ela for, ao mesmo tempo, uma espécie de exame?

Mas e o estudo dos textos, por que não seria responsabilidade de um curso universitário?

De fato, existem hoje mestrados em psicologia clínica e em psicanálise, nos quais esse estudo é proposto e acontece.

No entanto, a diversidade das orientações psicoterápicas pediria uma multiplicação de pós-graduações (só em psicanálise, seriam necessários cinco ou seis cursos diferentes). Além disso, de qualquer forma, o estudo universitário não é exatamente equivalente ao estudo proporcionado pelos institutos de formação. A compreensão dos textos não é a mesma. Há uma diferença relevante entre ler como estudante, que deve dar conta do que aprendeu, e ler como terapeuta em formação, que interpreta os textos a partir da experiência singular de sua própria terapia ou análise.

Por essas razões, no mundo inteiro, a formação do psicoterapeuta é proposta por instituições privadas , que inventam, cada uma de seu jeito, formas de ensino e de aprovação e reprovação compatíveis com este estranho currículo, no centro do qual está a coragem do candidato que se questiona radicalmente, em sua terapia ou análise. Anos atrás, o governo italiano foi pressionado pela classe médica a regulamentar a profissão de psicoterapeuta. A ideia dos médicos e psiquiatras que pediam essa legislação era definir oficialmente a psicoterapia como ato médico, podendo ser praticado legitimamente só por doutores em medicina. Com isso, os psicólogos e demais terapeutas não-médicos estariam sob tutela, ou seja, pagariam para os médicos supervisões obrigatórias, O governo achou a proposta boa, examinou a questão e chegou à seguinte conclusão: nem médicos psiquiatras nem psicólogos recebem uma formação acadêmica que possa ser considerada suficiente para exercer a psicoterapia sem constituir perigo para a saúde mental do cidadão. A dita formação é administrada por instituições privadas de várias orientações. Portanto, foi constituído um conselho das instituições estabelecidas e reconhecidas, e esse conselho decide quem é habilitado ao exercício da psicoterapia.

Cartas a um jovem terapeutaWhere stories live. Discover now