1 - VOCAÇÃO PROFISSIONAL

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Meu jovem amigo,

Imagino que você ainda não tenha decidido qual será sua profissão. Você estaria procurando neste livro alguma indicação para descobrir se quer mesmo se tornar psicoterapeuta. E estaria perguntando: antes de começar uma formação que vai durar no mínimo uma década e custar uma nota preta, será que há como saber se tenho o que é preciso para dar certo?

É uma ótima pergunta. Para ser um bom psicoterapeuta, é útil que a gente possua alguns traços de caráter ou de personalidade que, dito aqui entre nós, dificilmente podem ser adquiridos no decorrer da formação: melhor mesmo que eles estejam com você desde o começo.

Um exemplo, só para começar.

Meu pai era médico, internista e cardiologista, mas funcionava, para muitos de seus pacientes, como o médico da família. A cada ano, no Natal, na Páscoa e no dia de São José (ele se chamava Giuseppe), nossa casa se enchia de presentes. Mas enchia mesmo: a sala era abarrotada de caixas de vinhos e liquores, panetones, doces, cestas de frutas exóticas, sem contar a prataria e os objetos variados de decoração, as canetas, as agendas e os conjuntos para escrivaninha. Nos últimos dias antes da festa, a campainha não parava de tocar. Nós, crianças, tínhamos a função e o privilégio de abrir os pacotes, deixando cuidadosamente os cartões que os acompanhavam, para que meu pai pudesse responder agradecendo.

Pois é, se eu tivesse escolhido a profissão de psicanalista e psicoterapeuta para receber a mesma variedade e fartura de presentes, minha vida seria um fracasso. Você pode querer ser médico ou coisa que o valha porque é essencial para você ser olhado com gratidão e respeito por seus pacientes e pelos outros em geral. Claro, todo o mundo gosta disso, não é? Mas há sujeitos para quem é crucial ser constantemente o objeto de uma veneração amorosa.

Quer saber por quê? Pense, por exemplo, no olhar de uma mãe para um caçula que teria nascido depois da morte do pai. Desde seu primeiro vagido, esse filho seria, para a mãe, ao mesmo tempo uma compensação e um memorial do marido que ela perdeu; ele seria objeto de veneração e de eterna gratidão a Deus.

Escolho esse exemplo porque foi o caso, justamente, de meu pai: ele nasceu quatro meses depois da morte do seu pai (meu avô). Obviamente, não é isso que fez dele um grande médico. Mas, na escolha de sua profissão, deve ter contado a necessidade de repetir a experiência inicial do olhar adorador de sua mãe. Essa necessidade também deve ter contado na sua capacidade de ganhar uma gratidão que não se resolvia no pagamento dos honorários e, portanto, se expressava naquelas orgias festivas de presentes.

Pois bem, se, por alguma razão (que não precisa ser a mesma do meu pai), é importante para você se alimentar no reconhecimento e no agradecimento infinitos dos outros, então não escolha a profissão de psicoterapeuta. Por duas razões.

Primeiro, na vida social, o psicoterapeuta não encontra nada parecido com a espécie de gratidão que, no geral, é reservada ao médico (como um agradecimento preventivo, caso acabemos em suas mãos). O psicoterapeuta encontra uma atitude (nem sempre escondida por trás da polidez dos costumes) que é uma mistura de temor com escárnio. Funciona assim, ao redor das mesas de jantar: "Puxa, este cara, aqui ao meu lado, é psicocoiso; vai ver que ele sabe ou entende sobre mim e minhas motivações mais do que eu mesmo sei e certamente mais do que eu gostaria que os outros soubessem." A medida protetora mais banal é o ataque: "Ah, você é psicanalista? Justamente acabo de ler uma matéria, onde é que era?. sabe, daqueles americanos que provam que a psicanálise é uma baboseira, você leu?"

Segundo, o psicoterapeuta não deve esperar a gratidão de seus pacientes. Nada de presentes no Natal, na Páscoa ou nas outras festas. Nas curas que proporciona, o psicoterapeuta é, por assim dizer, ele mesmo o remédio. E, nos melhores dos casos, quando tudo dá certo, ele acaba exatamente como um remédio que a gente usou e que fez seu efeito: uma caixinha aberta, com as poucas pílulas que sobraram, no fundo do armário do banheiro. A caixinha é guardada durante um tempo, porque nunca se sabe; um dia a gente a encontra, não se lembra mais qual era seu uso, constata que, de qualquer forma, o remédio está vencido e joga fora. E é bom que seja assim.

Cartas a um jovem terapeutaWhere stories live. Discover now