O Calor da Batalha

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Sinceramente, achei que aquilo jamais fosse terminar. É sempre uma merda a sensação de ter de correr de um lado para o outro, sem saber se seu inimigo vai baixar a guarda ou mostrar cautela e fugir de você. Ainda mais quando se luta no norte. Quando se ergue a espada, a linha entra a vida e a morte quase se rompe. Nada mais importa, o que eu fiz, o que farei, para onde irei? Nada. Tudo que eu aprendi nos treinos com minha irmã deixa de assegurar minha cabeça quando vejo uma arma inimiga se dirigir na minha direção. Os instintos predominam. No calor da batalha, homens já não existem mais. Viramos animais.

Antes eu não entendia tal sensação. Mesmo com os relatos da minha irmã, eu continuava sem compreender por que razão um guerreiro de valor e honra sai do combate sujo de sangue e insaciável quanto a vontade de pilhar, estuprar e beber. Era assim mais ou menos que ela se comportava quando retornava ainda viva. Não parava para receber congratulações, abraços ou elogios. Não. Shamira imediatamente se afogava num barril de cerveja e se metia numa pocilga qualquer com o primeiro homem que estivesse disposto a aguentá-la. E minha irmã é bem difícil de se conter.

Quando eu me ofereci para preencher lugar nas fileiras de uma pequena tropa de assalto do Earl Endrick, um general Valhadariano, eu ainda continuava pensando se no final eu voltaria para minha casa, meu vilarejo e minha cama do mesmo jeito que Shamira veio. Sedenta pelos maiores prazeres carnais que existem. Agindo como uma selvagem imbecil. Falava para mim mesma que não. Que era ridículo. Eu nasci e treinei minha vida toda para ser uma nórdica valorosa e não mais um número moribundo com sangue derramado na neve. Mal sabia eu o quanto estava errada.

Caminhar até a campo de batalha foi fácil. Me posicionar junto aos meus colegas mais ainda. Ajustar meu longo machado-de-guerra então. Tudo como eu queria. Desembainhar uma arma e descê-la sobre as cabeças dos homens de Ragnir e seu Earl rebelde. Vingança pela morte do meu pai e o violento estupro que minha tia teve de sofrer nas mãos deles antes de morrer. Por todos aqueles que fizeram morrer em prol de sua crença mesquinha de que nossos costumes estavam sendo ameaçados pelo Acordo Dourado que unia o reino de Valhadar ao Império Bretão. Quanto ódio, quanta raiva e quanto animo eu senti nos momentos anteriores ao início da batalha.

Sabia que haveria sangue, membros decepados, muita morte. Eu já imaginava aquilo, dia após dia. Mas também tinha a ingenuidade de acreditar que somente duas coisas poderiam acontecer: Eu sobreviver e retornar como uma heroína de valor ou morrer sobre um colchão de neve amargamente fria. Ambos pareciam destinos dignos para mim. Voltar para casa como um animal feito minha irmã de maneira nenhuma. Era morrer ou vencer.

Primeiro foram os arqueiros, investindo contínuas saraivadas de flechas nos ares. Quando o General Endrick percebeu que isso não seria o bastante para impedir a investida do inimigo, ele ordenou que Umir Barba-Azul desse seu grito de guerra e nos guiasse em direção ao que seria o meu momento mais esperado e temido.

Confesso que meu coração batia cada vez mais forte a cada instante em que nossos cavalos cavalgavam contra a montaria inimiga. Por um instante, o medo tomou conta, mas ele não foi grande a ponto de engolir minha ambição e destruir meu sonho.

- Jamais deixe o medo fazê-la olhar para trás. - Shamira gritou pra mim num treino. - Muito menos fechar os olhos. Quem fecha os olhos é pego pela escuridão. E quem acompanha a escuridão é a morte. Você quer morrer logo na primeira batalha, Largthar? Quer?

Naquele dia, minha irmã bebia tanto quanto o céu nevava ou minha pele suava. Nórdicos sempre tiveram uma resistência tremenda a bebida, mas a da minha irmã parecia invencível. Quase dois barris e ela não caia. Claro que mijava bastante, mas ser vencida pela bebedeira? Jamais. Lembro também dela ter me chutado muito naquele dia. Um erro era um murro no nariz senão um chute no estômago. Talvez por isso as pessoas preferiam chamá-la de Shamira, a Ogra em vez de treinar com ela. E também talvez tenha sido por isso que eu tenha adquirido uma resistência maior a golpes. Um chute na barriga já não me dói mais. Mas com certeza um golpe de aço dói bastante.

O Calor da Batalha - Um Conto de Larghtar, a BárbaraOnde histórias criam vida. Descubra agora