Carta sete

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"...Todas as palavras esdrúxulas, como os sentimentos esdrúxulos, são naturalmente ridículas."  — Poesias de Álvaro de Campos. Fernando Pessoa.


60 dias após o nosso término

Olá, jovem destruidora do meu coração!

Como vai você?

Estou escrevendo para contá-la que hoje eu me dei conta de algo importante:

Eu te amava.

Amava de verdade, sabe. Não só da boca pra fora.

Mais do que eu achei ser possível, eu te amei.

Talvez tenha sido uma das reviravoltas irônicas do destino. Daquelas que, nos livros, sempre deixam a gente empolgado e com gosto de quero mais. Agora que, graças a você, eu virei um leitor nato (é verdade, nunca saio sem um livro comigo), acho que tenho propriedade para falar que tais reviravoltas só são interessantes na literatura, porque quando é o seu coração que é esmigalhado e feito em mil pedacinhos, a empolgação é tomada pela dor.

Sim, eu sei que é culpa minha. Eu sabia no que daria a aposta sem fundamentos que fiz.

E, mesmo sabendo que um de nós acabaria de coração partido, fui em frente com meu plano. Porque a verdade, a verdade mesmo Viola, é que eu não ligava mais para a aposta. Em determinado momento, eu deixei de fazer aquilo por mim e passei a fazer por você. Eu gostava de te ver sorrir, eu gostava de te ver revirando os olhos quando eu falava alguma bobagem, eu gostava até de ver suas roupas manchadas de café.

É, eu gostava de te ver.

E você, como eu já citei várias vezes (se esqueceu [apesar d'eu achar que não] leia as cartas anteriores), partiu meu coração.

Devo confessar, isso me surpreendeu.

Eu achei que aconteceria o contrário.

Afinal, era eu.

Eu, Viola. Eu!

Logo eu!

Dois meses se passaram desde que terminamos. O ano de 1996 terminou e agora já estamos em fevereiro novamente. O mesmo mês em que eu tracei o fatídico caminho que me transformaria em um nada. E, mesmo que tanto tempo tenha se passado, não somente penso em você como ainda te escrevo cartas. Será que você vai lê-las algum dia? Você adora ler, eu sei, mas será que você gostaria de ler as palavras escritas por mim? Acho que não. Você nem sequer lia as mensagens que eu te mandava (na época em que namorávamos).

Posso te fazer uma pergunta, Viola? Se não puder, vou fazer assim mesmo, perdoe-me.

Você, em algum momento do seu teatro (muito bem feito, por sinal), chegou a gostar minimamente de mim?

Você sentiu algo por mim?

Mesmo que tenha sido ódio, você sentiu?

Porque eu, eu senti muitas coisas por você. Meus sentimentos passearam de um pólo ao outro. Amor e ódio. Ódio e amor. Apesar de, na época, eu não nomeá-lo dessa maneira, agora eu sei a verdade. Era amor. Mesmo quando eu te odiava era amor. Mas não foi assim desde o início, claro. Nosso amor (ou eu deveria dizer meu?) não nasceu da forma bonita descrita nos livros.

Eu te machuquei.

Você me machucou.

Nós nos machucamos.

E, como bom masoquista que sou (agora [e graças a você]), eu continuei com tudo.

E então me transformei nesse nada.

Após o Nosso TérminoOnde histórias criam vida. Descubra agora