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Traduzindo o Paulo
"Raio de sol"
Eu não estou corado

Segundo Leo, os reparos de Festus estavam indo de vento em popa. Ele comentou isso enquanto mastigava avidamente enchiladas ao lado de Calipso durante o café da manhã ao redor da fogueira. Uma parte de mim esperava que os ventos virassem e ele não terminasse tão rápido os reparos, outra queria apenas que os reparos e aquelas provações acabassem logo. Eu mordiscava um sanduíches de peito de peru enquanto considerava as chances de eu sair vivo daquela confusão na qual minha vida havia sido lançada.

Depois do café, treinei um pouco de arqueria com Kayla. Eu iria acabar morto de qualquer forma, Estíge só intensificaria o processo, tornando-o mais lento e doloroso, como punição pela quebra de meu juramento. Ajudei Will na enfermaria com os que continuavam com febre: Damien e Chiara. Aquele acampamento precisava de mais gente, a pequena parcela de mortais presentes não me parecia suficiente para tornar a experiência de um acampamento com interessante.

Não precisei caminhar muito mais para encontrar Paulo. Ele estava no estábulo dos pégasos, havia visto-o por uma pequena janela enquanto ia em direção aos campos de morangos. Ele escovava a crina de um deles. O cavalo branco com crina e cauda douradas parecia gostar muito dele, por um momento pensei em como seria bom ter ele escovando meu cabelo ou fazendo uma massagem em meus ombros depois de uma competição de arqueria. Ele só notou minha presença depois que se despediu do Pégaso e guardou a escova, quando deu de cara comigo bloqueando a porta de entrada e saída.

"Bom dia, raio de sol." Ele sorri e eu fico dividido entre flertar e usar de meus poderes divinos para tortura-lo. Mas eu não sabia como flertar nem tinha poderes dos quais pudesse usar. Eu odeio ser chamado de raio de sol, e não, eu não estava corando.

"Bom dia." Resmungo em retorno

"Will contou que você usou um dicionário."

"Não gosto muito de ser chamado de raio de sol, Ares me chamou assim durante pelo menos um milênio quando assumi o lugar de Hélio." Resmunguei, observando a maneira como os bíceps dele fexionaram quando cruzou os braçõs em frente peito igualmente muculoso.

"Prefere Lorde Apolo ou Lester?"

"Só Apolo, não me sinto como um lorde, mas nem tampouco quero ser um Lester."

"Você destruiu um gigante de metal com uma flecha de espirro." Eu ri e ele pareceu relaxar, como se tivesse finalmente entendido que eu não o amaldiçoaria por me chamar de raio de sol.

"Detesto admitir que aquilo foi pura sorte."

"Deve ser difícil ser um deus e ter que aprender a ser humano."

"A iminência da morte, puberdade, fragilidade e nenhuma habilidade atlética, não sei o que me irrita mais." Ele estava bem na minha frente agora, perto o suficiente para eu ter de erguer o rosto para olhar nos olhos dele.

"A iminência da morte torna tudo mais interessante, especial." Ele coloca as mãos dentro dos bolsos. "E, bem, puberdade é  uma saco, mas todos passam por isso."

"Todos os mortais."

"Você é mortal, talvez se aceitar logo as coisas fiquem mais fáceis." Ele apertou minha bochecha e depois a beijou. "Vejo você no almoço, raio de sol."

Aceitar. Palavrinha difícil de engolir, mais difícil ainda de digerir. Mas que droga, quem disse que ele podia me deixar ali sozinho depois de ser tão atrevidinho pra me dar aquele beijo na bochecha. Virei e observei a silhueta dele se afastando, se eu desse uma pequena corrida podia alcançar, malditas pernas curtas de Lester Papadopoulos. Dei a corridinha e passei a acompanha-lo na caminhada até onde quer que estivesse indo.

"O que vai fazer agora? "  Perguntei enquanto observava a expressão serena dele mudar pra um sorriso amplo.

"Um pouco de canoagem, quer me acompanhar?"

"Sim." O sim tinha deixado minha boca tão rápido que não tive nem tempo de pensar em tentar uma de diícil. Isso só fez ele focar os olhos em mim, o sorriso parecendo adquirir mais alguns megawatts.

Seguimos para o estreito. Ajudei Paulo a colocar a canoa na água e ele me entregou um remo. Sinceramente, eu estava esperando que ele fosse remar sozinho, como naqueles filmes românticos clichês, mas ele queria que eu remasse com aqueles braços fracos de Lester. Coloquei na cabeça que iria valer a pena e peguei o remo, um pouco de esforço não faria mal, principalmente levando em conta que eu poderia ver os bíceps em ação.

Cada remada que aqueles braços fracos davam fazia dor percorrer todas as outras partes do corpo. Se eu não tivesse feito pelo menos quarenta caretasdiferentes devido ao esforço seria um milagre. Suor iria para a lista de pesadelos pós-tempo em corpo mortal, suor fede.

"Dor nos braços?"

"Eu gostaria muito de negar." Respondo, preparado pra largar o remo, mas não precisei largar.

Paulo pegou o remo que estava em minhas mãos e o apoiou entre nós,  assim como o que ele estava usando. Em seguida ele alongou o belo corpo que tinha, exibindo seu físico de uma forma que eu não sabia se era sedução intencional ou inintencional.

"Você não para de me olhar."

"É impossível não olhar." Resmumgo em resposta à obvia observação de meu companheiro de canoagem, certa frustração em minha voz pela falta de controle sobre meu próprios desejos. "Digamos que você é uma bela vista."

"Você também."  Português, de novo, atrapalhando minha vida.

"Desculpe, o dicionário ficou no chalé." Franzi as sobrancelhas, frustrado. Eu queria entender a língua dele. "Por que você não fala sempre em inglês? Por causa do sotaque?"

"A pronúncia é difícil, estadunidenses falam rápido demais e não tive tanta prática quanto gostaria." Ele responde, se reclinando um pouco para trás em seu banco. "Deve ter percebido como o inglês fica estranho comigo falando."

"Estranho, mas charmoso." Sorrio, esperando ter no mínimo uma pitada de sedução em minhas palavras (ou pelo menos o quanto fosse possível com o tronco completamente dolorido).

"Vindo do deus dos flertes,  'charmoso' é algo bom de se ouvir."

Ergui uma sobrancelha. Obviamente ele devia considerar isso algo bom. Eu estava de olho nele desde que vi aqueles bíceps pela primeira vez, era muito injusto que ele fosse tão lerdo em perceber meus olhos o acompanhando. Pensei em tirar os remos da frente e ir até ele de forma charmosa, seduzindo-o com meu olhar e com meu sorriso,  mas com minha sorte o barco viraria e perderíamos os remos. Eu não estava a fim de voltar nadando para a margem.

Ficamos boiando em silêncio um bom tempo até o sol do meio dia começar a queimar meu couro cabeludo. Não me leve a mal, eu amo o sol e tudo mais, mas, pelo menos em pele humana, câncer de pele é uma realidade. Eu estava torrando enquanto Paulo parecia um gato, feliz debaixo do sol.

"Podemos voltar pra margem? Está quase na hora do almoço." Perguntei, pegando um remo, não queria forçar os braços de novo, mas ia ter de fazê-lo se quisesse voltar. A probabilidade de Paulo remar sozinho até lá pra me poupar era mínima.

"E você está vermelho como um pimentão por causa do sol." Ele provoca. Fico tentado a acertá-lo com o remo.

"Engraçadinho." Retruco, alongando os braços na esperança de que eles doam um pouco menos.

"Um deus do sol com queimaduras de sol. Contraditório."

"Vamos remar? Acho mais interessante que provocar o Apolo."

Ele sorriu e se inclinou para frente. O barco chacoalhou um pouco com a mudança de equilíbrio. Eu senti minhas bochechas ficarem mais quentes e não era por causa do sol. Olhos escuros como grãos de café me encaravam de maneira quase tão intensa quanto o sabor de um legítimo expresso italiano. Respirei fundo, como se aquilo fosse fazer o coração de Lester parar de bater tão constrangedoramente alto e rápido.

"Você está interessado em mim Apolo?"

Só uma única palavra veio à minha cabeça naquele momento. Um xingamento em grego. GLOUTOS.

Affair [Um conto de As Provações de Apolo]Onde histórias criam vida. Descubra agora