Lar das crianças perdidas

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 Charlotte


Quando criança, eu achava que estaria sempre sozinha, eu ouvia histórias de que crianças nunca encontraram uma família. A minha história felizmente foi diferente, eu encontrei uma família e fiz amigos, e agora tudo o que penso é neles. Eu espero que eles estejam bem e que possa revê-los novamente o mais rápido possível. 

Tudo o que me recordo dessa noite, é de mãos geladas me arrastando pelo gramado molhado e frio, eu queria gritar, correr, estapear quem me arrastava. Mas não consegui fazer nada, meu corpo não respondia a minha mente e aquilo me matava por dentro.  Após algum tempo que não consigo assimilar se foram minutos, horas ou até mesmo dias, ouvi algumas vozes sussurrando ao longe e percebi então que estava sendo observada durante muito tempo, durante anos. Meus olhos permaneciam vendados enquanto minhas mãos estavam amarradas, não era  apenas uma sensação, eu estava totalmente presa. 

— Ela terá que se mostrar capaz de sobreviver! — uma voz masculina vociferava.

— O que acontecerá com ela é o que ela quiser.—uma voz feminina dizia calmamente. —não se esqueçam que Charlotte é uma de nós. 

— Sem falsos moralismo, Mary! — a voz masculina revelou o nome da moça que falou anteriormente. 

— Isso é um falso moralismo, ela era nossa! Assim como a...— Mary interrompeu. 

— Saiam daqui!— uma voz que parecia está alterada por algum programa disse. — deixe-me a sós com ela. 

Um silêncio preencheu o lugar, meu corpo gelou e uma sensação de medo instaurou-se no meu peito.  Minha única vontade era gritar por socorro. 

—Você parece ser tão patética. — a pessoa disse e em seguida gargalhou. 

—Quem é você?! — perguntei.

— Quer ver e saber quem sou?— senti sua respiração próxima a minha.

— Quero. — respondi temendo. 

Senti a venda sendo arrancada do meu rosto, abri os olhos e procurei por quem a tirou, assim que encontrei pude ver uma pessoa coberta por um sobretudo branco encapuzado e usando uma máscara.  

—Ainda é cedo para você me ver. —a criatura que não conseguia identificar estava parada a minha frente. 

— Me diz quem você é... — perguntei tentando analisar quem era. 

— Primeiro você tem que saber quem você é, isso aqui vai te dizer quem você é. 

Ele levantou-se e saiu deixando uma caixa.       

Com receio, peguei a caixa e abri. A única coisa que passava pela minha mente é que aquela caixa tinha algum tipo de bomba, cobras ou até mesmo o que eu mais temia, baratas. Mas deixei as paranoias de lado e coloquei a minha mão dentro dela. Apesar da pouca iluminação do local, percebi o que havia dentro da caixa, livros e um álbum de fotos. 

Peguei o álbum enquanto respirava fundo e assim que o abri, me senti tocada pela primeira foto. Eu tinha vivido o que aquela imagem mostrava, era uma das minhas poucas lembranças da minha infância antes de ser adotada, era exatamente como eu lembrava, várias crianças usando roupas brancas enquanto corriam e brincavam em um gramado.

Eu olhava a foto, me procurava e não me encontrava, olhei para cada rosto na tentativa de encontrar algum conhecido, não consegui associar nenhum rosto a ninguém. Virei a página e logo de cara me vi, eu chorava enquanto segurava uma boneca e ver aquela foto me fez relembrar o quanto eu era chorona e o quanto isso me dava uma sensação de fraqueza. 

Quando dei por mim, percebi que estava chorando e enquanto enxugava as lágrimas vi algo solto embaixo da foto, puxei para ver o que era. 

Um envelope. 

—Para minha querida e amada Amélie — li o que estava escrito na frente do envelope. 

O abri e encontrei um pedaço de papel e então comecei a ler. 

— Amélie minha querida, essa será uma das poucas recordações durante a infância da sua amada e pequena boneca Charlotte que você terá.  Acalme-se, sei que você quer mais... Mas no momento isso é tudo o que posso te dar, ela está crescendo com muita saúde e aparenta ser feliz. Farei de tudo para conseguir o máximo possível, com perdão e amor do seu anjo da guarda fiel. —terminei de ler e senti meu corpo arrepiar. 

Olhei novamente para o envelope procurando por alguma pista. Quem quer que seja esse anjo da guarda e essa Amélie, elas estavam acompanhando a minha infância e isso me deixou apavorada. 

Seria Amélie a tal mulher que falaram no dia em que tudo começou? 

Voltei a olhar as fotos, elas eram praticamente iguais, as crianças do lar e eu em alguma situação diferente: chorando, sorrindo, dormindo, comendo. 

Percebi então que as fotos poderiam dizer quem era Amélie. E se Amélie fosse a minha mãe  biológica? 

— Alguém? — gritei. 

— O que foi? — a criatura que deixou a caixa disse aparecendo novamente. 

— Você é Amélie?— perguntei nervosa.

— Quem sabe? 

— Você! 

— Claro que eu sei quem eu sou, já você não sabe nem mesmo quem você é. 

— Me diga então quem eu sou. — gritei não contendo as lágrimas. 

— Você é uma garotinha mimada, que cresceu tendo tudo do bom e do melhor, que tem amigos sinceros, pais que te amam, estudos, dinheiro e você tem principalmente a Amélie. — ela disse calmamente. 

— Quem é Amélie?— falei com a voz embargada. 

— Você vai saber quem ela é. Na verdade, você já conhece a muito tempo. 

Ela disse e saiu deixando-me cheia de teorias na cabeça e principalmente cheia de conflitos dentro de mim, era aquilo que as pessoas achavam de mim? Eu sou uma garotinha mimada? 

Deixei o álbum de lado e peguei um dos livros e vi então que aquilo não era apenas um livro, era um diário.  O diário de Amélie. 

— Eu estou com fome! — gritei.

— Coloque a venda! — ouvi a voz de Mary responder.

Coloquei a venda e agarrei a caixa ao meu corpo. 

— Trouxe um pouco de água também. — Mary disse. — pode tirar a venda. 

Tirei a venda rapidamente na expectativa de conseguir ver Mary, mas eu já estava sozinha. Ela deixou um prato branco de vidro com hambúrguer, batatas fritas, e um copo com água.  Eu havia sido sequestrada por uma gangue de adolescentes ? 


Não sou elaOnde histórias criam vida. Descubra agora