Capítulo 1

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Fecho o casaco, sacudo os cabelos para trás e meto o capuz. Ajusto a mochila e verifico se está tudo em ordem pela trigésima quarta vez. Dou uma última olhada à mensagem que tinha recebido com as coordenadas para o encontro e tomo coragem. Bem, também não exageremos, coragem há de ser uma coisa que nunca me caracterizará, mas faço um esforço e tento autoconvencer-me que isto é realmente uma boa ideia, apesar de no fundo, no fundo, eu ter a certeza de que estou prestes a fazer a coisa mais errada da minha vida. Antes que os meus pensamentos me atrapalhem mais, afasto-os e forço-me a andar repetindo incessantemente que pelo menos uma vez na vida tenho de ter um ato mais parecido com coragem possível.

Vou em passo acelerado, aproximando-me cada vez mais do sítio. Oiço um barulho de uma buzina de um carro e pessoas a gritar, e de seguida a rir. Um bando de bêbados que não olha por onde anda no outro lado da rua, constato. Paro imediatamente com o susto que levei, fecho os olhos e cerro os punhos. O meu coração está aos pulos e não me admirava nada se ele neste momento saísse do meu peito e fugisse a sete pés, mas não o censuro, pois se pudesse fazer a mesma coisa, faria. Respiro fundo, abro os olhos e esfrego a cara com as mãos. Dou passinhos de um lado para o outro numa tentativa falhada de me acalmar. Viro-me para a parede e apoio-me lá com as mãos, deixo cair a cabeça para a frente e repenso todas as minhas escolhas de vida. Olho para o relógio. Merda, são duas e quarenta e cinco da manhã e seja lá quem me mandou aquela mensagem, quer encontrar-se comigo às três em ponto. Esfrego as mãos uma na outra, fecho os olhos mais uma vez e solto um suspiro. Tem de ser, tenho do fazer, por muito mais nervosa que esteja. E com esta tentativa não tão fracassada de me pôr a andar, chego ao sítio que corresponde exatamente às coordenadas dadas.

O tal sítio é um beco grafitado com desenhos pouco cuidados, caixotes de cartão a servirem de casa para gatos vadios e contentores de lixo que tresandam a cheiros nada agradáveis. Sou obrigada a tapar o nariz para não morrer intoxicada, afinal, não me podia dar ao luxo de morrer depois de todas as tretas que usei para me convencer a chegar até aqui.

Percorro o local com o olhar, e então avisto umas escadas. Puxo as escadas de emergência do prédio para baixo e elas rangem; encolho-me e fecho os olhos com força como se fizesse o barulho passar e nada disto ter acontecido, mas claro que os poderes mágicos que me fariam bastante jeito de ter agora, não vêm ao meu auxílio, então limito-me a esperar alguns instantes para ver se ninguém se incomodou ao ponto de começar a mandar vir comigo, e como ninguém se manifesta, prossigo e subo as escadas até ao topo do prédio. Ainda são bastante grandes, dez pisos segundo as minhas contas, umas sessenta escadas. Uns sessenta motivos mais para desistir, portanto. Ainda posso desistir e correr daqui para fora como se nem cá estivesse estado. Detenho-me e afasto estes pensamentos outra vez; tenho de afastá-los, porque por muito mais que eu não queira, preciso disto, e não sou a única.

Já no topo do prédio franzo os olhos para me adaptar à escuridão e tentar ver alguma coisa, mas é muito difícil captar algo, então ligo a lanterna do telemóvel e procuro o interruptor das luzes do telhado. Ligo-as quando encontro o interruptor e averiguo o espaço; vou até um dos limites do cimo do prédio quadrado e inclino-me ligeiramente para ver lá para baixo. Tenho uma tontura momentânea devido a ver a altura a que estou do chão, mas logo me recomponho e sento-me nuns blocos de pedra no meio do terraço à espera de finalmente conhecer a proposta irrecusável que estava escrita na mensagem que me trouxe até aqui.

De repente oiço um estrondo, levanto-me imediatamente e olho para o sítio de onde o som veio. Nada, não vejo nada. Tenho medo de me aproximar, mas a curiosidade é mais forte então faço-o muito lentamente. Detenho-me ao ouvir passos e dou por mim já a olhar em todas as direções, alarmada com o que poderá ser. Oiço mais passos, mais fortes, e mais perto de mim. Avisto um vulto. Uouu, é um vulto grande e tem qualquer coisa na mão. O meu instinto diz para correr, então corro na direção oposta daquela coisa, mas ao virar-me apercebo-me que estou no limite do terraço e se der mais um passo que seja, caio e morro. Essa última opção talvez não me soe tão má no momento, mas decido lutar um bocadinho antes de traçar a minha sina. Dispo o casaco e mando para cima dele, ou dela, ou o que seja lá o que for que esteja atrás de mim, tapando-lhe a visão e rezando para que seja o suficiente para o atordoar e comprar-me alguns segundos para conseguir dar a volta e sair daqui. Aghh, eu sabia que isto era uma péssima ideia. Ao tentar dar a volta para chegar à porta, sinto uns enormes braços a segurar-me a cintura não me deixando escapar. Pronto, é isto, o meu fim, é aqui onde a história de Harper Scott termina. Sinto uma pancada forte na cabeça e sinto-me a ser arrastada, perdendo os sentidos por fim. 

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