Capítulo 3

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-São horas de chegar? - pergunta-me ele.

- Acordei cedo, decidi fazer uma caminhada. – Não olho para ele, não quero que perceba que claramente estou a mentir.

-Hum, a sério? – olha severamente para mim com os olhos semicerrado - Engraçado que eu fui ao teu quarto hoje às cinco da manhã e a cama nem estava desfeita sequer.

-Foste ao meu quarto às cinco da manhã? Fazer o quê?

-Não desvies o assunto.

-Mas se é o meu quarto eu tenho o direito de saber porque é que as pessoas entram nele e para fazer o quê!

-E se seguirmos a tua lógica esta é a minha casa e eu tenho o direito de saber porque é que as pessoas não dormem nela, e, sabendo que sou eu o responsável por ti, descobrir o que andaste a fazer a noite inteira fora de casa!

-Ramírez, fica descansado primo, não andei a fazer nada de mal – disse num tom divertido para tentar amenizar o clima.

-Primo? – Ri-se, surpreso, com aquele bigode farfalhudo e pomposo a saltitar e a mão na barriga rechonchuda - essa é nova. Acabaste de tentar com que eu não ficasse a ralhar mais contigo?

-Depende, consegui? – faço um meio sorriso e a minha barriga ronca, com fome. – Diz-me que os pãezinhos quentes já chegaram por favooooor

-Já, mas antes de os ires abocanhar tens de perceber que eu sou responsável por ti, se alguma coisa te acontece nem sei o que faça! E sei que gostas da tua liberdade, mas tens de distinguir as coisas e não é para abusar.

Depois dessa nossa conversa, encho o estômago de pãezinhos quentes e vou para o quarto dormir, afinal, não dormi toda a noite e amanhã é o primeiro dia de escola depois das férias de verão, logo preciso de me distrair o máximo que puder antes que decida não ir amanhã.

--07:00 da manhã do dia seguinte--

-Bom dia querida, dormiste bem? - disse a Lea depois de abrir as persianas do quarto gentilmente. - Ontem não te vi o dia inteiro, falei com o Rá e ele disse que passaste o dia a trabalhar, logo ficaste cansada e decidiste vir dormir cedo, está tudo bem minha querida? - Após este discurso senta-se na minha cama e começa-me a fazer festinhas no cabelo, então decido parar de ronha e finalmente abrir os olhos para lhe responder.

-Tudo bem, sim, não te preocupes, só fiquei cansada de trabalhar - esboço um sorriso de compaixão, porque, afinal, é o mínimo que posso fazer, pois esta senhora não tem sido nada mas carinhosa comigo desde o minuto que meti os pés nesta casa, só de pensar que no início, quando não confiava nela, lhe mordia para impor algum tipo de respeito, dá-me vontade de lhe pedir mil desculpas todos os dias por causa disso.

-Então vá, levanta-te que o Rá já serviu o pequeno almoço e o Zac e a Lua já se estão a despachar!

Dito isto, levanto-me da cama, visto as minhas calças pretas meio rasgadas de tão gastas e uma sweat cinzenta com o logo da Ramwheels, calço os meus ténis rapidamente e desço para tomar o pequeno-almoço. Encontro o Zac e a Lua já sentados e dou um encontrão a cada um como forma de cumprimento, pergunto se vamos todos juntos e depois lembro-me:

-Oh meu Deus!! – quase deixo cair um dos pães que agarrei para comer no caminho.

-O que foi? – perguntam Lua e Zac ao mesmo tempo

-Esqueci-me completamente de ver em que turma é que estava, vocês viram?

-Nós ficámos os três na mesma turma como era de esperar, a Tessa, o Blake e o Dan também, de resto não me dei ao trabalho de ver sequer – responde-me Lua.

Vamos os três para a escola, como é o primeiro dia não levo nada na mochila a não ser o meu caderno para escrever e uma caneta, visto que não posso estar com o computador nas aulas.

Quando chegamos à escola subo logo as escadas do bloco A, onde vou ter a primeira aula. Ciências. Sempre gostei de Ciências, é a matéria onde me dou melhor, não que me dê ao trabalho de ser exemplar, muito menos na escola, mas uma rapariga safa-se.

Averiguo a professora, não é a mesma do ano passado, graças a Deus, e não aparenta ter mais de quarenta anos ou menos de trinsta. Averiguo também as caras desconhecidas que não estavam na minha turma o ano passado e vejo uma rapariga de estatura média, cabelo liso e médio com algumas madeixas; e logo atrás da mesma está uma rapariga franzina que parece um daqueles cães pequeninos que estão sempre a tremer e têm um ladrar bastante agudo, dá-me a impressão de que não quer ser notada, ou que se habituou a estar na sombra da Miss Madeixas, de qualquer das formas, gosto muito mais do cabelo da Miss Sombra.

E sim, dou nomes às pessoas conforme as características que mais se destacam nelas à primeira vista, pelo menos no meu ponto de vista.

No canto da sala está a Lua, com os seus fones a berrarem uma música qualquer, e, como sempre, agarrada ao seu bloco de desenho pois segundo ela, tem de melhorar o seu portefólio se quiser ser uma tatuadora a sério um dia. Um pouco mais à frente dela está o Zac e os gémeos, ou como eu gosto de chamar, Sinistro 1 e Sinistro 2, porque Jesus Cristo, as franjas deles vão até ao queixo, devem gastar mais dinheiro em maquilhagem preta numa semana do que eu gasto em comida, e nem me atrevo a falar daquelas correntes, enfim. No canto oposto da sala estou eu, gosto de lugares à ponta e atrás para observar as pessoas. Não sou stalker ou alguma coisa do género, é mais um hobbie para passar o tempo e desde pequena que sempre me deu jeito saber o que as pessoas são ou pretendem fazer antes delas mesmas sequer saberem.

Quando decido observar mais a Miss Madeixas e a Miss Sombra reparo que elas não estão no meu campo de visão como estavam há alguns minutos atrás, isto claro antes de girar a cadeira uns quatro centímetros para a esquerda e perceber que estão ambas a olhar para mim fixamente. Rezo internamente para que não venham falar comigo, mas vêm, logo, como a Miss Madeixas se aproxima com um grande sorriso, e a mexer na ponta do cabelo com a ponta dos dedos, imito-a, só para lhe dar a chance de perceber a figura ridícula que está a fazer antes de eu ser obrigada a dizer-lho diretamente. Que doce de pessoa, eu.

-Olá! – diz com voz esganiçada – Eu sou a June, é o meu primeiro ano cá, fui transferida e adorava fazer amigos novos! – posto isto estende-me a mão e faz o sorriso mais falso que alguma vez vi, seguido de demasiados pestanejos para o meu gosto.

-Sou a Harper. – em vez de lhe corresponder com um passou-bem, deslizo a minha mão na dela e de seguida fecho-a para batermos com os punhos, sei que ficará perplexa e sentir-se-á ligeiramente fora de sítio, mas e depois? Ninguém me designou como o comité de boas-vindas, quero lá saber de quem ela é.

Como eu esperava, engole em seco, manda o cabelo para trás com as costas da mão e puxa a camisola de lã para baixo, ajeitando-a.

-E quem é a tua minion? – Espicaço.

-A minha quem? – Ela fica confusa e eu gargalho subtilmente e fixo os olhos na Miss Sombra.

-Como te chamas?

-Chloe – responde-me June.

-Ah, e a Chloe não sabe falar?

-Não faz mal, já estou habituada – diz Chloe quase aos sussurros e com a voz a tremer, como se tivesse receio de algo.

-Bem, nós vamos andando para a nossa carteira que a professora deve estar a chegar, vejo-te depois – diz por fim June na sua voz esganiçada.

-Foi bom falar contigo, Chloe. – June fica sem graça e eu dou um sorriso trocista e vejo o brilho nos olhos de Chloe e percebo que tem vontade de rir também, mas controla-se pois deve ter medo da reação da sua mestre.

Logo depois da professora entrar e se apresentar, alguém bate à porta e entra após o sinal afirmativo da professora.

-Desculpem o atraso, mas estou perdida, alguém me sabe dizer onde é a sala A1.02?

Não creio. É ela. Troco olhares com a Lua e reparo que estamos ambas boquiabertas. Não acredito que ela voltou.

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