Confissões

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Acabei não conseguindo dormir, como havia imaginado. Minha cabeça girava e a dor fazia meus olhos latejarem, o tempo havia passado tão rápido e eu acabei ficando horas olhando pela janela, para a casa dele, para o jardim, para os céus, tudo muito fora do meu alcance. Minha mente flutuava por muita coisa, eu havia pensado em como iria ser quando todos voltassem, afinal estávamos no meio do ano letivo, terceiro ano do ensino médio, faculdade, provas, todos pensavam só nisso ultimamente. Como seria quando voltasse pra lá? Eu não queria voltar pra lá, mas era meio de ano, minha mãe ia ser contra uma mudança de escola. A escola estava organizando um memorial aos alunos assassinados, daqui uma semana todos aqueles que sobreviveram iram inaugurar um memorial que a escola e os alunos andavam trabalhando. Eu nem cheguei perto da St. Edmund, não queria nem mesmo passar pela rua. Como voltaria para aquele lugar?

Hoje continuo meu depoimento, depois de tantas pessoas darem seus testemunhos, será que eles falariam de mim? Será que diriam a verdade do que aconteceu naquele dia? Será que contariam o que eles fizeram com Charlie um dia antes de tudo acontecer? Eu já estava exausto só de pensar em sair dali, só de pensar em pôr os pés fora de casa e encarar a realidade me assustava. Mas aquilo era necessário, afinal "o mundo não vai parar por conta de minhas tristezas, ele continua seguindo até o dia em que me juntarei a ela", era o que Charlie vivia dizendo.

Havia me arrumado o melhor que podia, havia muitas camisas de banda, jogos e filmes, mas nenhuma que tivesse o ar mais sério. Passei por minha mãe que ainda estava acordando, sentei na bancada da cozinha e fiquei a observando.

- Bom dia querido.

- Bom dia. - tentei dar o meu melhor sorriso, mais pareceu mais uma careta.

- Não precisa se esforçar para parecer bem Logan. - ela pousou suas mãos na minha e sorriu daquele jeito que eu adorava, aquilo me aquecia por dentro. Minha mãe sabia sobre mim, todos sabiam, mas ela nunca me falou nada, nem tocou no assunto. Acho que ela queria que eu contasse a ela primeiro, antes que saísse apontando isso ou aquilo. Ela era muito discreta. Meu pai era superprotetor e pra ele estava sendo uma tortura, havia muitos jornalistas que ligavam para nossa casa, nos mandavam e-mail, mas isso nem se comparou aos três primeiros dias pós... acidente? Ainda não sei como nomear aquilo. Jogaram pedras em nossas janelas e na janela da casa de Charlie, ovos e uma tentativa de incêndio, a polícia visitava bastante nossa casa ultimamente, tiveram que rondar o bairro, mas passado dois dias, as coisas finalmente esfriaram.

Minha mãe fritou ovos com bacon e eu tentei comer tudo, mesmo que meu estômago ainda parecesse cheio do lanche da noite.

- Você está nervoso?

- Com medo.

- Medo?

- Tenho medo do que disseram sobre mim e sobre Charlie para o detetive. - minha mãe colocou a caneca de café sobre a bancada e ficou com o ar sério.

- Logan precisamos conversar. - essa frase, nunca era boa coisa. - Querido, Charlie matou dez meninos e meninas de quinze e dezesseis anos e deixou trinta pessoas feridas, dez dela em estado grave.

- O que você quer dizer com tudo isso? Eu sei, eu estava lá esqueceu? - espalmei a mão na bancada, lembrar de tudo aquilo, de todo o sangue, dos olhos vidrados de Charlie e na hora que ele se virou pra mim e pediu desculpas como sempre fazia. Fechei os olhos com força, queria nunca mais lembrar daquela cena de novo.

- O que eu quero dizer Logan, é que você não pode defender Charlie, não dessa vez querido, não dessa vez.

Ela passou por mim e subiu as escadas. Senti muita raiva por um momento, mas passou tão rápido quanto chegou, era difícil admitir aquilo afinal. Mas ela estava certa.

Meu Amigo CharlieOnde histórias criam vida. Descubra agora