Faço uma encenação

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Tudo começou a dar errado quando ele me ligou.
O verão tinha começado cedo em Nova York, e eu estava suando em minha camisa manchada de tinta, desenhando. Não me lembro o que estava desenhando, então não devia ser importante.
Meu celular tocou, me tirando do transe em que entrava toda vez que desenhava. Olhei para tela, onde estava escrito "Huckeberry". Larguei o lápis e atendi.
- O que você quer, Frier?
- Onde estão seus modos, Short Stack of Pancakes? - Uma voz educada e sarcástica me respondeu.
- No inferno. Por que não vai lá procurar?
- Woah! Desculpa!
- O que você quer?
- Preciso de um favor seu.
Ele nunca me pedia favores.
- Depende. O que é?
- Acho melhor te contar pessoalmente. Mas promete que me ajuda?
Suspirei. O que de tão mal o Ranger Rick poderia me pedir? Ele não conseguia nem mesmo deixar de fazer o dever de casa!
- Tá. Prometo.
- Sério?!
- Sério.
- Ótimo! Te vejo daqui a meia hora, no Night Hawk.
Night Hawk era o restaurante em que minha mãe trabalhava, antes do Topanga's. Comecei a duvidar de minha promessa. Se minha mãe não podia saber, não era nada de bom.
Mas eu sempre mantia minhas promessas.

_____

Cheguei no restaurante e encontrei Lucas sentado em uma das mesas do canto, parecendo nervoso. Ele nunca parecia nervoso. Como um bom caipira, ele se levantou e puxou a cadeira para mim. Quando voltou a se sentar, eu perguntei:
- E então, Ranger Rick, qual é o favor?
- Eu pedi salada de atum, sua favorita.
- Não desvie do assunto.
Como que para me confrontar, uma das garçonetes trouxe duas saladas de atum e colocou na mesa.
- Coma - Ele disse - É por minha conta.
Levantei uma sobrancelha. Ele nunca pagava nada.
Mas também nunca pedia favores. Nem ficava nervoso.
Que merda estava acontecendo com ele?
- O que você quer?
Ele respirou fundo, juntou as mãos de modo empresarial e disse:
- Quero que você seja minha namorada.
Arregalei os olhos.
- Olha, Lucas, não é que você não seja legal. É que...
- Você não está entendendo. - Ele interrompeu.
- Estou sim...
- Não, não está. Quero que você seja minha namorada de mentira. Não de verdade.
- Como assim?
- Sabe a Missy?
- A patricinha que vive com aqueles clones? Sei.
Missy Bradford tinha entrado no colégio esse ano. Farkle havia me dito que a conhecia, porque, aparentemente, todos os ricos da cidade se conheciam. Missy era dois anos mais nova que Lucas e tinha peitos enormes.
- Eu estou caído por ela. - Ele disse, com cara de bobo.
- Por ela?
- É. O quê é que tem?
- Nada. Ela só... Não faz seu tipo.
- E quem faz meu tipo? - Ele rebateu - Você?
- Ainda não entendi o que isso tem a ver com eu ser sua namorada.
- Então... É que eu contei aquela história pra ela.
Suspirei. Como se não bastasse sua aparência de príncipe encantado e seu jeito de caipira, Lucas ainda dizia pra todas as garotas que queria conquistar que sua namorada havia terminado com ele e ele estava de "coração partido".
- E agora ela quer conhecer sua ex? - Adivinhei - E você quer que eu finja ser ela?
- Isso.
- Nem fodendo.
- Qual é? Vai ser só uma noite! E você prometeu.
Ótimo. Por que diabos eu fui dizer aquilo?
- Vão ser 30 dólares por hora - Eu determinei - E você vai me pagar roupas novas.
- O quê!? Nem os professores ganham tanto assim!
- Se reclamar, aumento pra 50.
Ele suspirou.
- Tá. Vamos jantar, hoje à noite - Escreveu algo num guardanapo e me deu - Nesse endereço. Esteja lá. E faça seu papel.
Dei um sorriso malicioso.
- É claro que vou estar lá, ex. Mas ainda preciso de dinheiro para as compras.
Ele bufou e jogou uma nota de cem dólares sobre a mesa. Olhei para ele e arqueei as sobrancelhas. Ele jogou mais cem. Eu sorri, peguei o dinheiro e saí da lanchonete.
- Riles? Vamos no shopping?

____

De algum modo, nossa tarde de compras terminou na casa de Farkle, em um processo que envolvia maquiagem, secadores e homens homossexuais. Riley e o gênio estavam sentados no sofá do quarto dele, jogando vídeogame, enquanto eu estava praticamente imobilizada à uma cadeira de cabelereiro.
- Eu ainda acho que não é certo vocês mentirem assim. - Comentou Riley, enquanto assasinava um zumbi virtual.
- Riles, não pense nisso como uma mentira - Eu disse - Pense como... Uma peça. É só atuação. Além do mais, a garota teria ficado caída pelo Lucas de qualquer jeito.
- E eles estão te pagando. - Acrescentou Farkle - Essa é a parte mais importante.
- "F", não acha que já está bom de arrumação? - Perguntei.
- Não - Ele respondeu - Está ficando ótimo.
- Acabamos - Anunciou o cabelereiro, Will Solace.
Me levantei e olhei no espelho. Eu estava linda. Estava com um vestido preto sensual, sandálias de salto alto também pretas e uma bolsa de marca direto do closet da Sra. Minkus. Meu cabelo estava perfeitamente cacheado e minha maquiagem me fazia parecer uma estrela de cinema.
Farkle se virou, largando o jogo. Seu queixo caiu. Depois, se recompôs e abriu um sorriso.
- Essa é minha esposa.
- Vai lá e arrasa com seu ex, gata! - Disse Will, no tom quase gritado que ele parecia sempre usar.
- Ah... Ele não é meu ex de verdade.
Ele deu de ombros.
- E daí?
- Você está atrasada. - Avisou Farkle - A limusine está esperando.
- Limusine?! - Eu e Riley exclamamos, em uníssono.
- É. - Ele parecia surrealmente acostumado a isso - É minha mesmo, então pode usar. O Lucas vai se arrepender de ter terminado com você.
Ri fraco e abracei Riley.
- Vou estar de volta à noite.
Lancei um sorriso para Farkle e saí.
Quando cheguei na porta da mansão, encontrei o motorista de Farkle me esperando em frente a uma limusine preta. Ele fez uma reverência e disse:
- Você deve ser a Srta. Hart.
Assenti e ele abriu a porta pra mim. Foi a primeira vez que eu andei de limusine, e foi a caminho de um jantar de mentira.

____

O carro estacionou na frente do restaurante, e a recepcionista me informou que eles estavam sentados no terraço. Subi as escadas e fui até eles, desfilando.
- Ex! - Abri os braços quando me aproximei de Lucas - Que bom te ver!
Dei dois beijos em suas bochechas, um de cada lado.
- E você deve ser a Missy - A garota elegante sentada ao lado dele assentiu - Ouvi falar muito de você.
Eu estendi a mão e ela a apertou. Me sentei e ela disse:
- Sabe, é bom saber que você é de verdade. Achei que fosse só uma história para conquistar as garotas.
Que ironia.
Ri fraco e balancei a mão.
- Imagine! O Lucas não é esse tipo de cara! Mas, quando forem pra cama, tome cuidado. Ele pode ser bem... Sadomasoquista. Fique longe dos laços dele.
Ele engasgou com a taça d'água.
- Laços? - Ela perguntou, surpresa.
- Ah! Não se preocupe! As marcas saem em poucas semanas.
Essa foi a vez dela de engasgar com a água.
- Missy, não acredite nela. - Disse ele - Ela toma tantas pílulas que deve estar me confundindo com outros caras.
- Pílulas? - Ela perguntou.
- É. Principalmente as amarelas. Não deixe pílulas amarelas perto dessa garota.
- Bom, talvez eu não tomasse tantas pílulas se ele tratasse a D.E. dele.
- O que é D.E? - Ela perguntou.
- Ah! Esqueci que você é virgem! - Eu disse. Não que eu também não fosse virgem, mas tinha entrar no papel - D.E. significa "disfunção erétil". É assim... Como se o "negócio" dele ficasse parecendo um macarrão, todo enrugado, bem molinho.
Ela arregalou os olhos, abriu e fechou a boca, sem palavras.
- Bom, talvez o macarrão ficasse mais duro se as almôndegas fossem melhores. - Ele rebateu.
- Ah, é? Pois já disseram que eu sirvo as melhores almôndegas da cidade.
- Quem disse? O Josh?
Dei risada.
- Você acha mesmo que eu fiz com o Josh?
- Não fez? - Ele perguntou, com surpresa genuína.
Eu fiz que não com a cabeça.
- Já querem fazer o pedido? - Um garçom interrompeu.
- Já - Eu respondi - O que vocês têm de mais caro?
Ele disse um nome complicado em francês.
- Ótimo! É isso que vou querer. Ponha na conta do cavalheiro.
O garçom fez que sim com a cabeça e saiu.
O resto do jantar correu normalmente, com Missy soltando fatos inúteis sobre como sua família era ótima e eu e Lucas nos alfinetando, o que deve ter feito a garota achar que éramos um casal de problemáticos.
Nós finalmente saímos, e eu fiz questão de que eles vissem a limusine de Farkle.
- Ei, Missy! - Lucas acrescentou, antes de irmos - Você podia ir com o resto da turma no Topanga's, semana que vem!
Eu, sinceramente, não sei de onde ele tirou essa ideia.
- Eu... Não sei se seria uma boa ideia. - Ela respondeu.
Lucas olhou para mim, discretamente, e esfregou os dedos, fazendo o sinal universal de "dinheiro".
- Eu acho que é uma ótima ideia! - Eu disse - Vamos estar te esperando!

Namorada de Mentirinha (Lucaya)Onde histórias criam vida. Descubra agora