ADÃO, O ANDRÓGINO

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A ausência de satisfação faz com que os objetos de
m

or surjam aos nossos olhos como envoltos em um

mágico véu, e tenham aquela aparência de periculosidade
que constitui o seu fascínio.
TH. REIK

Na aurora do mundo, Jeová Deus pensou em criar o homem para que pudesse se tornar o coroamento da Criação. E Deus disse: "Façamos o homem, que seja a nossa imagem,
segundo a nossa semelhança".

Assim, Ele estendeu a sua mão sobre a superfície da Terra, talvez ali onde estava o monte Moriah e, apanhando poeira fina, misturou-a com outra terra das quatro partes do mundo, borrifada com água de cada rio e cada mar existente. Uma massa de epher, dam, marah (pó, sangue e bile) que deu vida a Adão, o primeiro homem vivente. Jeová Deus colocou Adão no Jardim do Éden para que lhe fizesse honra.

Qual era a natureza do primeiro homem? Conheceu ele a aspereza da solidão e da própria singularidade? Talvez observasse tantos animais entre seus semelhantes - cavalos,
cabras, pássaros, répteis e peixes - que se admirava de se ver só.

Nós pensamos na primeira estrutura afetiva e sexual de Adão em termos
antropológicos, mas existe um mistério ainda mais obscuro que devemos encarar, quando se fala da primeira companheira do homem, de sua primeira esposa. É a mitologia bíblica que nos ajuda a imaginar Adão - em sentido psíquico - como um verdadeiro e real androgginos, isto é, macho e fêmea. No Gênesis I, 27 é dito: "Deus criou o homem à sua imagem, à imagem de Deus o criou; macho e fêmea o criou". É a passagem mais densa de mistério, pois introduz o conceito da androginia no indivíduo segundo o supremo princípio da harmonia total do Uno que é feito de Dois; mas é também conceito que consente em perpetuar na terra - mediante a multiplicação da espécie na união do macho com a fêmea - a imagem de Deus, pois o homem lhe é semelhante. Adão trazia em si, fundidos, o princípio masculino e
o princípio feminino e tais princípios só depois foram separados sucessivamente. Já está
implícita a resposta: Adão teve duas naturezas femininas, duas companheiras. Mas procedamos com ordem ao analisar o mito da primeira esposa do homem. Muitas são as
fontes que permitem ver, nas aparentes contradições dos vários capítulos do Gênesis, uma criação da mulher que respondia primeiro a motivações teológicas e, depois, a justificações antropológicas. Adão era em si andrógino.

No Livro do Esplendor - o Sepher Ha-Zohar - é citada esta passagem:

Rabi Abba disse: O primeiro homem era macho e fêmea ao mesmo tempo
pois a escritura diz: E Elohim disse: façamos o homem à nossa imagem e semelhança {Gên. I, 26). É precisamente para que o homem se assemelhasse a Deus que foi criado macho e fêmea ao mesmo tempo.1

O enigma está no versículo citado do Gênesis onde é dito "... o criou" e logo após é dito em vez "os criou". Adão teria sido, pois, para o Gênesis I, 26-27, dois em um, homem e mulher. Ainda o Rabi Simeão, no Zohar, fala assim:

Está escrito - Os criou macho e fêmea - {Gên. V, 2). Estes dois versículos do início do quinto capítulo do Génesis encerram grandes mistérios. Nas palavras "Os criou macho e fêmea" é expresso o mistério supremo, que constitui a glória de Deus, que é inacessível à inteligência humana e que constitui objeto de Fé. É por este mistério que o Homem foi criado. Recordem que o homem foi criado pelo mesmo mistério através do qual foram criados o céu e a terra - as Escrituras se servem da expressão "eis a Gênese do céu e da terra", e para a criação do homem elas usam expressão semelhante: "eis o livro da Gênese do Homem".

O Rabi Simeão ben Jochai prossegue sua fala, sempre sobre o mesmo tema:

. . . Além disso, para a criação do céu e da terra, as Escrituras se servem do termo behibaream (= quando foram criados), e para a criação do homem as Escrituras se servem da expressão análoga beyom hibaream (- no dia em que eles foram criados). As Escrituras dizem: "os criou macho e fêmea". Nós deduzimos que cada figura, que não apresenta em si o macho e a fêmea, não se assemelha à figura celeste.

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