Capítulo 06 - Cidadela

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Acho que nunca havia desligado o computador tão rápido. Ao mesmo tempo em que torcia para que chegasse a sexta-feira, torcia para que conseguisse não pensar em John como um namorado em potencial. Difícil, eu sei, ainda mais considerando o romantismo parte da minha personalidade, mas, por outro lado, sempre defendi mulheres resolvidas e cientes de que podem, sim, ter encontros casuais. Não precisei de muito tempo até deixar o tema de lado e preparar o jantar. 

Morar sozinha tem suas vantagens. Eu sempre gostei de acordar com a janela aberta, ligar a cafeteira e beber um café no quintal. Não que eu goste de me sentir só, não é isso, mas a sensação de poder ficar em silêncio quando eu quiser sempre foi tentadora. Bom, muito disso devo ao fato de que meus vizinhos nunca foram um problema. E aos meus pais, que sempre me visitavam, mas nunca me sufocavam por usarem tão bem da tecnologia quanto eu. Aliás, eu me gabava disso. Sempre que eu precisava, mesmo que não dissesse nada, minha mãe estava lá com uma mensagem irônica ou uma montagem fofa sobre amor. Me lembro de pensar, ainda na infância, que ela possuía algum tipo de vidência. Típico timing de mãe.

Os dias seguiram e eu finalmente consegui apresentar meu artigo. Sim, eu já havia me formado, mas o grupo de estudos do qual participava continuou. Era uma forma bacana de reciclagem e, por que não, de ter sempre companhia. Tudo bem que era possível contar o grupo em uma mão e que agora nos encontrávamos na casa uns dos outros, o que acabou nos conferindo algum nível de intimidade, mas era gratificante perceber que aprendíamos coisas novas, mesmo depois da faculdade. Ao terminar, parei para papear um pouco e até pensei em comentar com Ana sobre John – Ana, a amiga para quem segurei vela no Bistrô - mas decidi apressar o passo. 

Não, não marquei consulta alguma aquela sexta. Passei a manhã no escritório, mas, por precaução, mantive o chaveiro e o guarda-chuva na bolsa. Organizei as gavetas, o revisteiro, tirei o pó da mesa e até ouvi música, mas passei longe de conferir a agenda. Quando o telefone tocou, tirei da tomada. Eu só conseguia pensar no encontro. Nada de almoço, nada de compras. Só o encontro. Literalmente, eu parecia uma adolescente a caminho de casa, embora ainda tivesse algumas horas para descansar e esperar até que ele me ligasse ou tocasse a campainha. Quando ele me ligou, apenas saí. 

Não me lembro de ter sido tão notada quanto naquela noite. John estava encantador, apesar do jeito tímido, e o perfume que usava era justamente um dos meus favoritos. Quando me elogiou, confesso que gelei. Não sabia se havia desacostumado com elogios ou se era só o nervosismo por saber que ali seria diferente. 

Entramos no Cidadela às nove em ponto e a música já animava. Graças a um casal que tentou ao mesmo tempo que nós, inclusive, entramos de mãos dadas – era isso ou permitir que os dois nos separassem, então ele aproveitou a oportunidade. Assim que nos sentamos, ele pediu um vinho. Era possível que além do mesmo café, gostássemos de vinho tinto? 

Antes que eu pudesse falar qualquer coisa, reparei que ele sorria para mim. Mais uma vez, corresponder foi inevitável. 

- Então, Rachel, como foi seu dia? - disparou.

- Bom, obrigada. Zero pacientes. E o seu? - perguntei. Na verdade, eu estava torcendo para que ele começasse a falar e desviasse minha atenção daquele sorriso.

- Foi muito bom, eu acho. Consegui fechar mais uma sessão de fotos, liberar dois artigos importantes e agora estou aqui, com você. Considerando que ainda não acabou, acho que um dia como hoje, para acontecer de novo, vai ser difícil - colocou, levantando a taça em minha direção.

- Talvez não, senhor John... - respondi, assentindo com a minha. 

O olhar que trocamos foi tão preciso que precisei me distrair. Enquanto ele pedia o menu, eu tentava escanear o lugar. Gente flertando, gente conversando, gente bebendo e gente dançando. Olha, gente dançando! Como é que eu não esqueço esse lugar?

- Rachel - chamou ele, abrindo um sorriso. Provavelmente percebeu o meu foco - Dança comigo?

- Dançar? Você dança, John Smith? - provoquei.

- Com você, com certeza- respondeu, levantando-se e vindo até mim. 

O Cidadela tinha isso de interessante: de vez em quando arranjavam espaço para experiências diferentes. A da vez, ou melhor, a que havia permanecido, era um espaço delimitado para os mais empolgados dançarem. Um espaço delimitado e boa música ao vivo, aliás. Não que fôssemos especialistas no assunto, claro, mas não demorou muito até que entrássemos no ritmo. Confesso que me senti um tanto sexy ao perceber que mesmo com tanta gente ao meu redor, eu estava dançando ao lado de alguém que simplesmente não tirava os olhos de mim. Me perguntei o que Ana diria se estivesse ali.

Quando a primeira acabou, aplaudimos juntos. Algumas pessoas assobiaram para os músicos e outras soltaram gritinhos. Na segunda música, um clássico do rock nacional, nos soltamos mais um pouco e nossos corpos acabaram se encontrando. Ficamos assim por mais uma ou duas, não me perguntem quanto tempo, até que ele se aproximou da minha orelha.

- Você dança bem! - disse.

- Ah, obrigada! Você não dança nada mal! - respondi, apoiando-me em seu ombro. 

- Mais uma música? - arriscou. 

- Sim! - respondi.

No entanto, a que tocaram depois não foi agitada. Não foi pop nem rock. A música seguinte foi uma balada, o que fez com que parte das pessoas voltasse para suas mesas e só algumas permanecessem. Mais sugestivo do que aquele instante, impossível. 

Pude sentir sua respiração quando ele me abraçou devagar e puxou os primeiros passos. Até pensei que não levaríamos a dança adiante, que ele recuaria ou partiríamos para os petiscos, mas, automaticamente, apoiei a cabeça em seu queixo e deixei rolar. Por alguns segundos, foi como se já o conhecesse. Como se já soubesse que aproveitaria cada centímetro a menos de distância e que retribuiria o beijo que ele não conseguiria segurar. Nem ele, nem eu. Eu não podia estar mais certa.

- Rachel, eu posso...? - disse, encostando-se em meus lábios. Ah,John...

- Por favor... - respondi. 

Não pensei em mais nada.

Rachel & JohnOnde histórias criam vida. Descubra agora