Capítulo 03 - Café e Diálogo

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O lugar era bom, já havia ido várias vezes no Bistrô. Eu observei as pessoas, todas conversando, alegres, um papo que parecia transmitir boas sensações. O clima abafado lá dentro não era do tipo insuportável, era do tipo: Uou! Aqui dentro tem um clima e um cheiro de café incrível!

Não sei se foi intenção dela ser tão precisa, mas me passou confiança quando perguntei sobre a bebida. Ela analisava o cardápio na parte das tortas caseiras.

- O da casa, por favor – foi quase direto. Ela sorriu, eu sorri também. Gostava de respostas rápidas. Não que a dúvida seja desinteressante. Às vezes, na vida, uma nesga de atitude muda as coisas, e ser tão direta num pedido tão simples era bom pra mim, que sempre tive problemas em escolher. Sendo assim, não podia aparentar dúvida, respondi:

- O mesmo pra mim – e entregamos os cardápios.

De certa forma, Reparar nela era como contemplar uma magnitude de maravilhas. Como havia dito, não havia beleza característica na cena que aconteceu conosco, havia uma beleza inusitadamente cômica.

- Então, Rachel, o que você faz? – perguntei.

- Eu sou psicóloga – fiquei com receio quando ouvi aquilo, mas pensei comigo: Pra que o medo? Não quero ficar no 'e se', se ela me achar um louco psicopata, e daí?

- Interessante! Espero que não me estude pelo nosso encontro – dei uma risada. Por que eu ri? Alguma avalanche na minha cabeça devia ter acontecido.

- Quem sabe eu já não esteja... Você disse encontro? Não é cedo demais pra chamar assim? – Ela sorriu de viés, seus olhos me encararam.

- Fiz um convite e você aceitou uma, duas... cinco vezes – rebati amigavelmente.

- Acho que seu perfil se encaixa no de "tarado da praça", aquele que espera moças como eu ficarem num momento cômico e vergonhoso pra chamar pra um café – ela gargalhou. – Brincadeiras à parte, acho que precisava disso hoje. – a forma como ela passava as mechas de cabelo para trás da orelha era um charme.

- Que bom que estou aqui pra te ajudar, então – estendi uma de minhas mãos até o centro da mesa. – Não se preocupe, eu só ataco na praça depois da meia-noite, mas ó... shhh, não conta pra ninguém – e rimos juntos.

Foi um diálogo muito bom. Ela tinha certo humor, eu também tinha minha forma de agradar. O Mocha chegou, tomamos e conversamos sobre meu trabalho. Disse o de sempre, que era um editor fotográfico numa revista e que estava com a tarde de folga. Assim que as canecas ficaram vazias, segundos silenciosos nos seguiram. Eu olhei para ela, ela olhou para mim. Não me pergunte por quê perguntei aquilo:

- Está sozinha? – Claro que não, seu burro. Estava com você. Mas estas não eram as palavras corretas pra pergunta certa. A pergunta seria certa? O que eu fiz? No mesmo instante eu pensei: Agora ela diz que o namorado dela está esperando por ela e se levanta. Ou ela diz que não quer nada e vai embora. Mas quem disse que ela deveria dizer que quer alguma coisa? Socorro!!

- Em que sentido, senhor John? – Ela cruzou os braços, o olhar parecia malicioso com aquele sorrisinho.

Não soube onde enfiar a cara. Não soube o que dizer. Sabe quando as pessoas abrem a boca e um singelo 'Aaahh' sai como único som? Pois é...

- Estou solteira, se é o que quer dizer. E não, não estou interessada em relacionamentos agora – ela continuava a sorrir por quê?

- Aaahh...

- Furou o disco?

- Foi só uma pergunta – admito, eu procurei aquilo. Deveria ter esperado um próximo encontro, se é que poderia acontecer... Isso!! Um próximo encontro! – O que você vai fazer sexta à noite? Tenho reservas pro Cidadela – nenhuma pessoa que se preze recusa um convite para o Cidadela, ela não recusaria. Era um restaurante-taverna muito cobiçado. O ar soturno, selvagem e com aquelas paredes de tijolinhos com adegas atrás no balcão eram...

- Acho que vou ao Cidadela.

Eu a encarei por um momento antes de perguntar seu endereço. Era óbvio que não a faria sair de sua casa sozinha. Tudo ali estava perfeito até demais. Os carros na rua passando ligeiro, o sol debruçando-se no oeste, as nuvens brincando com os raios de sol, o vento que, por vezes, passava pela porta e empurrava o ar abafado do Bistrô, o tilintar da porcelana aqui e ali entre conversas e risos. Quer momento mais perfeito?

Pena que a urgência metálica de uma terceira pessoa interrompeu aquilo. Olhei meu celular e tive que pedir um segundo para atender.

Rachel & JohnOnde histórias criam vida. Descubra agora