Capítulo 01 - Eu, John

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Eu, John, filho único de uma família de classe média. Passei a infância morando numa casa num bairro tranquilo. Ruas legais, pouco movimento, crianças até tarde na rua jogando bola, correndo, andando de bicicleta, os velhos tempos bons que uma criança precisa ter para fazer criancices.

Passei a juventude sobre o olhar e pulso firme de meu pai, que queria que eu garantisse um futuro para mim. Um futuro digno. Claro que boa parte da minha vida estudantil foi em escolas técnicas e cursinhos para que eu pudesse escolher o melhor para mim. Minha mãe sempre me apoiou, não importasse as minhas escolhas. Namorei por um tempo uma garota chamada Natasha, os cabelos mais ruivos e naturais que já vi na vida. Não foi um término bom.

Aconteceram coisas que me culpo até hoje. Mas o que fazer se você é jovem demais e acaba passando dos limites? Ela foi para o exterior. Por anos eu não a vi. Naquela época, não sabia sobre o amor, sabia apenas que tinha um interesse por alguém especial e que nada para mim seria duradouro, já que eu gostava de algumas festas aqui e ali. Isso me prendeu por um bom tempo.

Em dado momento, meu pai quase me obrigou a seguir uma carreira que não queria. Já adulto, defini que gostaria de seguir a carreira de fotógrafo-jornalista, ou qualquer área que envolvesse bons cliques. Era o que minha alma gostava de fazer. Talvez aí o amor já existisse em mim, numa forma completamente diferente, claro. Isso me garantiu, tempos depois, o emprego de editor fotográfico numa revista popular. Meu pai nunca gostou do rumo que escolhi profissionalmente. Minha mãe se orgulhava de mim. Os dois se entendiam e meu pai passou a aceitar, já que isso fazia minha mãe feliz.

A vida boemia de barzinhos, festas e reuniões sociais se tornaram fúteis quando, num dia chuvoso de março, estava numa praça. Aquela tarde de folga forçada me rendeu bons meses de felicidade, bons meses de viagens e oportunidades, bons meses de prazer e, claro, de aprendizado no amor. Não o amor carnal, mas o amor do espírito quando se tem que zelar por algo que você daria a vida.

Sim, eu me rendi sem ver, ao amor. Ao simples, puro e belo amor.

Num dia, fui dispensado no trabalho. A redação preparava uma longa lista de acusações baseadas em provas muito críveis sobre um político. Não era a minha área, então praticamente me dispensaram, uma vez que meus serviços de revisão envolviam fotografias e ali só havia documentos.

Resolvi ir para a praça. Já não chovia tanto e as árvores se balançavam alegres com o vento. As nuvens iam com velocidade através do céu, revelando e ocultando o sol. Uma brincadeira de esconde-esconde que daria uma bela fotografia. Digo que nem sempre uma fotografia é necessária. Às vezes, a beleza da coisa está apenas para os olhos!

Depois da praça tem um dos melhores cafés da cidade. Não resistia a um bom café.

Na praça, naquela tarde quente quando a chuva de verão terminou de forma sucinta – as gotas acumuladas nas árvores caindo aqui e ali – vi de longe a mulher mais bela que meus olhos já viram. Lá estava ela, pouco mais baixa que eu, cabelos amarrados, olhos grandes e atentos, lábios que pareciam feitos por mãos divinas e um pouco molhada. Na verdade, ela tentava tirar um pouco da água que estava no cabelo. Não era uma visão sexy, mas me prendeu o olhar.

Olhei para ela no instante em que me olhou, como se algum tipo de fio movesse nossos olhares ao mesmo tempo. Ela sorriu. O sorriso que me cativou. O sorriso que desperta em você espasmos e faz você sorrir de volta.

- Dia estranho, não? – Não pergunte por que eu perguntei.

- Muito. Esqueci meu guarda-chuva no escritório – ela deu uma gargalhada, aí vocês podem perguntar: "Por que ela respondeu"?

Ficamos nos olhando.

- Rachel – ela estendeu a mão.

Cumprimentei-a, mas aquele gesto repentino me pegou de surpresa.

- Ah...

- Desculpe, hoje não é um dia efetivamente legal pra conhecer pessoas...

- John – como se minhas conexões cerebrais tivessem em curto.

- Oi, John... – ela se sentia estranha também.

Não era algo comum dois estranhos se apresentarem assim. Não quando se vive num país perigoso. Mas e daí? Ela estava parada, tentando se secar, tinha um sorriso lindo e os olhos mais cativantes que já vi. Como não corresponder de alguma forma a chamada de atenção dela?

- Sabe o que é bom nessas horas? – perguntei – Café! Estava indo agora mesmo e, se eu fosse você, não perderia a oportunidade. É por minha conta.

Ela me olhou nos olhos. O sorriso querendo desaparecer num manto de timidez quando um singelo 'sim', saiu dela.

- Sim – piscou e sorriu. – Sim, sim, sim... aceito!

Tentar entender a necessidade das cinco confirmações não era preciso. Imagine o que ela disse quando a pedi em casamento? Na verdade, não entendi como ela pôde responder com tanta naturalidade alguém como eu, que nunca foi muito correspondido. Apenas aproveitei o momento e, de fato, aquilo foi bom, porque em mim algo humano pareceu se fazer existir.

Algo que não saberia, de fato, dizer que existia.

Parece lindo ao primeiro olhar, quase uma fábula, mas a julgar pelos fatos que se deram ao longo da história, meses depois, e até mesmo antes de eu tê-la conhecido, posso dizer que não me encaixo no critério de príncipe encantado.

Rachel & JohnOnde histórias criam vida. Descubra agora